Em 2022, quando a Região Metropolitana de Recife (PE) registrou a maior enchente dos últimos 50 anos, enxurradas e deslizamentos de terra resultaram em mais de 120 mortos. A leptospirose, doença infecciosa causada pela exposição direta ou indireta à urina de animais infectados e que se prolifera em áreas alagadas, resultou em outras 66 mortes no estado no mesmo ano. O salto nas notificações da doença foi de 390% em comparação ao ano anterior, chegando a 547 em 2022.
Diante dos alertas de maior ocorrência de desastres naturais devido às mudanças climáticas com potencial para aumentar a propagação de doenças, as autoridades de saúde decidiram preparar uma padronização das medidas a serem adotadas. Após a passagem de ciclones e enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em agosto deste ano, e a seca extrema observada no Amazonas desde outubro, o Ministério da Saúde prepara o primeiro protocolo de combate a pandemias no Brasil, utilizando como modelo a atuação das autoridades sanitárias na Covid-19.
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Mosquitos, parasitas, bactérias e vírus proliferam com o calor, que também acelera e intensifica os eventos extremos, como as enchentes e secas, alerta o geocientista Christovam Barcellos, que coordena o Observatório do Clima e Saúde da Fiocruz.
“Essas condições climáticas são propícias para ocorrência de várias doenças infecciosas, favorecendo que essas doenças se tornem endêmicas em regiões do globo que hoje não são”, prevê o engenheiro ambiental Carlos Eduardo Pacheco, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Segundo a secretária-adjunta de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Angélica Miranda, o manual pretende oferecer respostas em meio a situações de emergência para organizar a reação de agentes públicos com base nas experiências que são possíveis de acontecer. “É claro que terá de ser algo dinâmico, porque pode apare- cer alguma emergência que não tinha aparecido ainda”, disse Angélica ao Correio. O governo vai anunciar em breve o Comitê de Mudanças Climáticas, que reunirá diversos ministérios, secretarias de governo, pesquisadores, Forças Armadas e representantes dos estados e municípios, além da sociedade civil. O objetivo, segundo a secretária-adjunta, é acompanhar os agravos ambientais recentes e pensar medidas de ação para impactos futuros da mudança no clima e no meio ambiente.
Perigo no improviso
Barcellos, da Fiocruz, observa que o impacto de eventos climáticos sobre o abastecimento normal de água potável também aumenta o risco de contaminação em áreas atingidas. “Os locais que estão sofrendo com as enchentes agora, como é o exemplo do Rio Grande do Sul, começam a improvisar algumas fontes de água e de alimentos. Isso é perigoso”, alerta o geocientista.
Os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que tiveram enchentes recentes, somaram 351 casos de leptospirose entre janeiro e setembro de 2023, segundo o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Em casos graves da doença, um paciente pode apresentar complicações como insuficiência renal e precisar de hemodiálise, afirma o médico infectologista Hélio Bacha.
A água acumulada também favorece a proliferação do mosquito Aedes Aegypti, vetor de doenças como dengue, zika e chikungunya, fora de sua região endêmica. “Nós temos visto uma expansão da área de transmissão de dengue, isso está acontecendo muito lentamente e também muitas vezes passa despercebido”, observa Barcellos, da Fiocruz. Com a facilidade de mobilidade, aumenta a chance desse ou outro vetor se deslocar por meio acidental de um transporte aéreo ou marítimo. “Se existir a condição ambiental para ele crescer e se procriar, isso acontecerá”, avisa Pacheco, da Embrapa.