A população brasileira está se tornando cada vez mais conectada à internet. Segundo os dados mais recentes da Pesquisa de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, 93,4% da sociedade utiliza a web diariamente. Isso equivale a aproximadamente 161,6 milhões de pessoas com 10 anos ou mais on-line, número que cresce a cada ano.
Em um recorte geracional, 84,9% do grupo etário de 10 a 13 anos está inserido no meio tecnológico e mais da metade já tem celular (54,8%). Em comparação a 2021, houve um aumento de 2,7%. Vale destacar que, a longo prazo, a exposição das crianças às telas pode ser prejudicial a níveis sociais, intelectuais e cognitivos. É o que explicam especialistas ouvidos pelo Correio.
O entretenimento via internet surge como um “respiro” dos pais, que encontram nas telas uma distração para os pequenos. A psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental, Sthéfani Alvei, alerta que o uso desenfreado e permanente de tablets e celulares pode prejudicar o aprendizado na escola.
“A criança e o adolescente estão em fase de desenvolvimento emocional, cognitivo e físico, e o uso excessivo da internet atrapalha esse processo. O resultado é uma geração extremamente ansiosa, irritada, impaciente, com baixa autoestima, dificuldade para se concentrar, socializar e se comunicar”, elenca.
Além disso, a infância e a adolescência são períodos de formação de crenças, ideias e interesses para uma vida inteira. Por isso, é um momento que exige maior atenção dos pais. “Nessa fase, se as necessidades emocionais e afetivas da criança não são supridas, ela pode ter consequências danosas para uma vida toda. O cuidado é para que a internet seja uma aliada no gerenciamento do tempo e não que crie um abismo entre os cuidadores e os filhos.”
Sthéfani reforça, ainda, que os pais podem intervir na construção desse diálogo e no fortalecimento de vínculos com os filhos. “Ao mostrar curiosidade e interesse pelo mundo deles, o adulto abre portas para a troca, se aproxima dessa criança e mostra para ela como também é valioso o 'cara a cara', conversar, socializar, o mundo fora das telas. Essa troca estabelece confiança, conexão e vínculo entre pais e filhos.”
É por esse caminho que a jornalista Cristiane Ferreira, 36 anos, direciona a filha, Maria Catarina, 12 anos, quando o assunto é o acesso ao celular e à televisão. Ela conta que, desde os 8 anos, a menina tem acesso às telas, incluindo celulares, televisão e computadores. “Desde bebê ela tem acesso à televisão. Eu sou muito viciada em TV e ela acaba assistindo também.”
Quando se trata dos celulares, a mãe afirma que tentou postergar o uso, esforço que não deu certo. “Eu sou a única pessoa que não concorda com o fato de ela usar o celular por muito tempo e tento controlar o máximo possível, mas acaba que, quando ela está com o pai ou com os avós, fica mais solto.”
“O celular acaba sendo uma moeda de troca. Ela pode usar caso faça tudo o que a gente pede e o que a escola pede”, aponta a jornalista. “Eu imponho algumas regras para que ela tenha acesso ao celular”, reforça.
Para o monitoramento do uso do aparelho, ela e o marido instalaram um aplicativo no celular da filha chamado “FamilyLink”. Assim, eles conseguem limitar os acessos a sites e navegadores. “Os jogos e aplicativos, como o TikTok por exemplo, também é 100% monitorado”, finaliza.
As telas no âmbito educacional
A influência da internet e das redes sociais na vida das crianças se estende para além de suas vidas pessoais e tem influência direta na vida acadêmica. Para a psicopedagoga Mariana Martins, os impactos são visíveis social e cognitivamente.
“Socialmente, eles acabam deixando de lado a parte da interação social, a convivência de buscar viver em sociedade, e acabam se isolando. Com isso, a gente percebe que as crianças não têm tanta facilidade de conversar, de se expressar, de expor ideias. Esse fato de não conseguir se comunicar também é uma consequência do uso das telas”, explica a orientadora educacional.
Em relação ao cognitivo, a falta de hábitos, de uma rotina fixa e de um acompanhamento dos pais são listados como questões que influenciam a rotina dos estudantes. “Eles não conseguem estudar e revisar os conteúdos devido a essa dependência nas telas de computador, celular e televisão. Eles não conseguem exercitar o ato de ter paciência, empatia em ajudar o outro. As consequências são as notas baixas, recuperações.”
A autônoma Stefanne Fernandes, 34 anos, conta que a filha, Lívia Damásio, 8 anos, está no 3° ano do fundamental e já demonstra algumas mudanças de comportamento em razão do uso das telas. Para ela, a maior mudança é a distração na realização de tarefas diárias. “Noto que muitas vezes ela começa a fazer algo e não termina, não se concentra na realização de tarefas. Eu e o pai sempre priorizamos as atividades escolares, feitas com atenção e longe do celular.”
A mãe conta, ainda, que a filha tem acesso ao celular desde os 6 meses de idade, para assistir a desenhos e vídeos infantis. Com o passar do tempo e o surgimento de inúmeros aplicativos, a mãe achou importante monitorar. “Como ela não tem um celular próprio, costuma usar o meu. Eu regulo o uso por no máximo 1 hora, além de verificar e liberar os desenhos por limite de idade”, ressalta.
Na vida real
Diante da situação desafiadora, a psicopedagoga Mariana Martin avalia a necessidade de um tempo longe das telas, com atividades que foquem em práticas ao ar livre, com estímulo à leitura e prática de esportes. “São necessários momentos de qualidade com a família, para criar memórias assertivas sem o celular. É um momento de socialização para mostrar interesse ao filho.”
Stefanne afirma que estimula a filha a ir brincar quando percebe certa agitação para mexer no celular. “Incentivo a chamar as amigas da rua e inventar brincadeiras, andar de bicicleta, brincar com as bonecas e joguinhos de casa, e até a incluir a nossa cachorrinha nas atividades.”
*Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro
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