Meio Ambiente

Cerrado já perdeu cerca de 70% da cobertura original, aponta pesquisa

Levantamento da Unicamp concluiu que restauração de bioma, que concentra 33% de toda biodiversidade brasileira, deverá aplicar diversas técnicas, além de preservar regiões que ainda não foram degradadas

O Cerrado abriga 33% de toda a biodiversidade brasileira e detém as três maiores bacias hidrográficas da América do Sul -  (crédito:  Carlos Vieira/CB)
O Cerrado abriga 33% de toda a biodiversidade brasileira e detém as três maiores bacias hidrográficas da América do Sul - (crédito: Carlos Vieira/CB)
postado em 16/11/2023 23:13

Um levantamento da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontou que o Cerrado perdeu cerca de 70% da cobertura original. A pesquisa divulgada nesta quinta-feira (16/11) analisou 712 espécies do bioma bem preservado. O Cerrado abriga 33% de toda a biodiversidade brasileira e detém as três maiores bacias hidrográficas da América do Sul.

Dentre as espécies estudadas, 338 não foram encontradas em nenhum dos lugares em processo de restauração. Das 520 registradas somente nas áreas de restauração, 70% não eram originais do Cerrado. Ou seja, ao passo que as espécies que deveriam ser encontradas nas regiões restauradas não foram registradas, outras que não deveriam estar ali foram apuradas.

A primeira autora da pesquisa, Natashi Pilon, do Instituto de Biologia da Unicamp, explica que este cenário pode comprometer a restauração do bioma. “Nos projetos de restauração, espécies que não são características do Cerrado estão sendo introduzidas. É o caso das ruderais [que crescem espontaneamente em terrenos baldios]. Embora nativas do Brasil, essas espécies não são características de nenhum bioma específico. E comprometem a estabilidade do ecossistema em restauração a longo prazo”.

“Verificamos que, em áreas onde somente a regeneração natural foi adotada, a quantidade de espécies típicas não aumentou com o tempo. Esse resultado mostra que muitas espécies possuem limitações para colonizar áreas degradadas. E que simplesmente deixar que o Cerrado se recomponha por si mesmo não permitirá recuperar a biodiversidade perdida”, alerta a pesquisadora.

Além do panorama apontado, o levantamento indicou estratégias para a restauração do Cerrado. Como constataram os pesquisadores, as técnicas bem sucedidas são a semeadura direta e o transplante de material vegetal, o que implica utilizar sementes, plantas e raízes de uma região conservada para uma área degradada.

O estudo indica que, para capins nativos, por exemplo, a semeadura direta, a transposição de solo superficial e o transplante de material vegetal tornou possível se aproximar da proporção encontrada no ecossistema conservado, que é de 18%. No caso de ervas típicas, proporções próximas àquela encontrada no ecossistema conservado, também de 18%, foram obtidas somente por meio da transposição de solo superficial ou transplante de material vegetal. Já no plantio de árvores, não foram registradas gramíneas nativas típicas, representando a pior técnica de restauração analisada.

“Com base nesses resultados, podemos concluir que, para uma restauração efetiva do Cerrado, não existe uma panaceia (algo que seja eficaz em todos os casos). Uma única técnica de restauração isolada não será capaz de trazer todos os componentes que garantam a resiliência e o funcionamento do bioma. Além disso, as técnicas com melhores resultados – semeadura e transplante – são altamente dependentes de áreas conservadas para aquisição de sementes e material vegetal. Assim, políticas e estratégias que promovam a conservação são tão ou mais urgentes do que a restauração propriamente dita”, observa Pilon.

A pesquisadora ressalta que a situação do Cerrado se difere da Amazônia, pois, enquanto na floresta amazônica o objetivo é de preservação, no Cerrado “o discurso muda para ‘vamos restaurar’”. “Nosso estudo mostrou que, embora imprescindível, a restauração não é fácil. E depende da preservação. Apesar de toda a destruição, ainda existe muito Cerrado a preservar, principalmente na faixa norte, na área do Matopiba [a região que se estende por porções dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia]. O desafio é que essa área está sendo fortemente impactada pela expansão agrícola, a exemplo do que já ocorreu em Goiás e no Mato Grosso”.

A região Matopiba foi analisada, bem como outras porções do bioma espalhado por outros estados, e a pesquisa de campo envolveu propriedades particulares e unidades de conservação, como a Estação Ecológica Santa Bárbara, a Floresta Estadual de Assis, a Estação Ecológica e Experimental de Itirapina e a Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento de Itararé, no Estado de São Paulo; o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros e o Parque Nacional de Emas, em Goiás; o Parque Municipal do Pombo, no Mato Grosso do Sul; e o Parque Estadual do Guartelá, no Paraná.

*Com informações da Agência Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

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