O garimpo ilegal avançou 12,7 mil hectares na bacia do Xingu desde 2018, mas, desse total, 82% ocorreram dentro de áreas protegidas — reservas indígenas ou de conservação ambiental. A denúncia é do dossiê Garimpo: um mal que perdura no Xingu, divulgado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e pela Rede Xingu+. Segundo o levantamento, com base em dados coletados de 2018 a junho de 2023, o avanço da lavra irregular se deve à valorização do ouro no mercado internacional e ao desmonte das políticas e órgãos de fiscalização na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A bacia do Xingu se estende entre Mato Grosso e Pará. O dossiê aponta que, este ano, foram identificados em torno de 20 focos ou frentes de garimpo com funcionamento ou indício de atividade.
O dossiê ressalta que os impactos dessas atividades se estendem por quilômetros e ameaçam a sobrevivência de povos indígenas e ribeirinhos. As populações urbanas também podem ser afetadas pelo consumo de peixes contaminados nas áreas de garimpo que migram para outras regiões.
No Xingu, estão localizados dois dos municípios com maior área de exploração mineral no Brasil: São Félix do Xingu e Ourilândia do Norte. Ambos são responsáveis pelo crescimento de 221% do garimpo na bacia ente 2012 e 2021. "Os dados do Sistema de Identificação Radar de Desmatamento mostram que, a partir de 2018, novas áreas de exploração garimpeira foram abertas em UCs (unidades de conservação) e TIs (terras indígenas), e áreas antigas de exploração foram reativadas", adverte o dossiê.
Entre 2018 e 2022, foram derrubados 9 mil hectares de floresta por causa do garimpo nas Terras Indígenas do Xingu, sendo que mais de 90% dessa devastação estão concentradas em território dos povos Mebêngôkre, nas TIs Kayapó e, em menor gravidade, nas TIs Baú e Menkragnot. Apenas no primeiro semestre deste ano, foram desmatados cerca de 460 hectares e lavras foram detectadas em cinco terras indígenas: Kayapó, Apyterewa, Baú, Trincheira/Bacajá e Kuruáya.
Para separar o ouro de outros minérios, os garimpeiros utilizam o mercúrio, um metal líquido de alta toxicidade que contamina o solo e a água. "Quando despejado em rios e lagos, o mercúrio passa por um processo de metilação [que é um processo de alteração da estrutura química de uma substância] e se converte em sua forma mais tóxica, o metilmercúrio, sendo incorporado, depois, pela ictiofauna e outros animais aquáticos. Nesse cenário, os indígenas e ribeirinhos constituem um grupo de risco, visto que o peixe é a principal fonte de proteína dessas populações, ficando sujeitas a comprometimentos sérios de saúde", explica o relatório.
O documento elaborado pelo Instituto Socioambiental e a Rede Xingu+ recomenda que o governo federal organize operações não apenas de fiscalização, mas de inteligência, e de forma regular. "Não se trata de extrações exercidas por poucos garimpeiros artesanais, e sim de vastas áreas destruídas com uso de grandes maquinários e capitalizadas por uma rede criminosa", acusa o dossiê.
Ações conjuntas
Para a desarticulação das atividades do garimpo ilegal, o documento também aponta a importância de ações conjuntas com as agências reguladoras: Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) e Agência Nacional do Petróleo (ANP). Além disso, as organizações socioambientais destacam a necessidade de que os mecanismos de controle e rastreio do ouro sejam revistos — a fim de viabilizar a criação de um sistema de garantia da origem.
"Importante ainda destacar a necessidade de ações destinadas à recuperação das áreas degradadas pela atividade garimpeira ilegal, visto que elas não possuem condições de retornarem a um estado semelhante ao inicial", salienta o relatório.
Ao Correio, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará informou que mais de 50 garimpos ilegais já foram fechados no estado. "Este ano, o estado instituiu um decreto de Emergência Ambiental, medida que fortaleceu o rigor no combate a ilícitos em 15 municípios identificados como críticos, e instalou três bases fixas de atuação, uma delas em São Félix do Xingu", garantiu a pasta, em nota.
O Correio buscou contato com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para saber quais ações estão sendo desenvolvidas para combater o garimpo ilegal em áreas de conservação. Mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.
Apesar das preocupações expostas pelo dossiê, há dados que geram esperança em uma mudança no quadro de destruição. No primeiro semestre deste ano, foram devastados cerca de 475 hectares de floresta nas TIs e UCs — número que representa a redução de 46% em relação ao mesmo período de 2022.
"A diminuição está relacionada com o aumento das ações de fiscalizações que, no Xingu, já ocorreu em ao menos seis territórios com presença de exploração garimpeira", destaca o documento do Instituto Socioambiental e a Rede Xingu+
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