Por Vitória Torres*
A proposta de emenda constitucional (PEC) 10/22, a chamada de PEC do plasma — que permitiria a comercialização de sangue e derivados —, é uma ameaça à solidariedade entre os doadores e à qualidade dos produtos sanguíneos, e representa um retrocesso na política de saúde do Brasil. A crítica é do secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha, e foi feita na edição de ontem do CB.Saúde — uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília. Conforme enfatizou, a PEC "é um desserviço pois irá desestimular a doação voluntária".
"Há o risco de redução (nas doações de sangue) por criar uma desconfiança na população que, até hoje, não conseguiu recuperar a taxa de vacinação que tinha no Brasil. Vamos desestimular a doação voluntária. Precisamos escutar a Organização Mundial da Saúde (OMS) quando ela fala que sangue não deve ser comercializado", exortou Gadelha, em entrevista concedida às jornalistas Carmen Souza e Rosana Hessel.
A PEC do plasma foi aprovada, na quarta-feira, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, por 15 x 11. De autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), segue agora para o Plenário da Casa. Segundo Gadelha, o risco de essa matéria ser aprovada é que pode afetar a qualidade dos hemoderivados e prejudicar o investimento do governo federal na Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) — "uma organização que não desperdiça nenhum produto e garante a qualidade do sangue e de seus derivados".
"A população brasileira é solidária e cooperativa. Quiseram destruir esse sentimento de solidariedade, mas não conseguiram. Os brasileiros fazem mais de 3 milhões de doações de sangue voluntárias (por ano)", explicou. Em 2022, o Brasil registrou 3,1 milhões de coletas, segundo dados do Ministério da Saúde.
A PEC do plasma foi duramente criticada pela Fundação Oswaldo Cruz, que, por meio de nota, corrobora a posição contrária do Ministério da Saúde. "A aprovação da PEC pode causar sérios riscos à Rede de Serviços Hemoterápicos do Brasil e ao Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Hemoderivados. A comercialização de plasma pode trazer impacto negativo nas doações voluntárias de sangue, pois há estudos que sugerem que, quando as doações são remuneradas, as pessoas podem ser menos propensas a doar por motivos altruístas", salienta.
Investimento
Segundo Gadelha, o governo federal pretende investir R$ 42 bilhões no Complexo Econômico Industrial da Saúde — que visa fortalecer a soberania nacional no desenvolvimento de medicamentos, impulsionar a pesquisa e garantir a entrega produtos de qualidade à sociedade. "No campo dos insumos farmacêuticos, ativos que protegem e são responsáveis pelo efeito terapêutico, a dependência (da importação) é de 95%. Só vamos poder ter um Sistema Único de Saúde que seja soberano, autônomo e capaz de garantir a vida quando tivermos tecnologia e capacidade produtiva no Brasil", explicou.
A prova da necessidade de se investir no desenvolvimento e na pesquisa de medicamentos está, conforme lembrou o secretário, no desempenho da Fiocruz e do Instituto Butantan durante a pandemia de covid-19. O problema é que ambos dependeram da importação de insumos básicos para que pudessem fabricar imunizantes em quantidade. "As parcerias ensinaram a fazer produtos biotecnológicos. Graças a isso que eles puderam responder rapidamente na produção de vacinas na pandemia", disse.
Para Gadelha, o investimento no Complexo Econômico Industrial da Saúde fortalece a capacidade do Brasil de produzir internamente o que é necessário para garantir o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
Saiba Mais