Conflito Israel-Hamas

Trauma de guerra: repatriado conta como é tentar voltar à rotina

Auxílio psicológico, médico e assistencial é disponibilizado para os brasileiros que voltaram de Jerusalém em meio à guerra com grupo fundamentalista islâmico

Pastor Bueno (todo de preto) estava à frente do grupo de 37 pessoas que viajou a Israel para realizar estudos bíblicos e conhecer localidades históricas -  (crédito: Fernanda Dourado/Fotógrafa)
Pastor Bueno (todo de preto) estava à frente do grupo de 37 pessoas que viajou a Israel para realizar estudos bíblicos e conhecer localidades históricas - (crédito: Fernanda Dourado/Fotógrafa)
postado em 18/10/2023 11:08 / atualizado em 19/10/2023 10:18

Na manhã de 7 de outubro, o pastor Francisco Bueno Júnior, 53 anos, foi surpreendido pelo toque de sirenes em Jerusalém. Ele coordenava um grupo de 37 pessoas que viajou à cidade para realizar estudos bíblicos e conhecer as localidades históricas. A delegação de Bueno estava prevista para retornar ao Brasil justamente no dia do ataque do grupo fundamentalista islâmico Hamas a Israel. Durante três dias, 17 membros da comitiva permaneceram no país em meio a sirenes e idas aos bunkers para proteção. O aguardado desembarque no país veio por meio do primeiro avião disponibilizado pela Força Aérea Brasileira (FAB), no último dia 10. A bordo, contaram com auxílio médico, psicológico e assistencial.

Na chegada ao aeroporto, os repatriados da operação “Voltando em Paz” também receberam ajuda dos profissionais de saúde. Atualmente, os brasileiros que desembarcam no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, por exemplo, recebem auxílio de quatro voluntárias, duas psicólogas e duas assistentes sociais, da Força Nacional do SUS, disponibilizado pelo Ministério da Saúde. Até o momento, um total de 916 passageiros e 24 animais de estimação retornou ao país nos aviões da FAB.

O Escritório de Representação do Brasil na Palestina, por sua vez, também contratou uma psicóloga, que é palestina, para atender as 32 pessoas que estão na Faixa de Gaza aguardando para deixar a área do conflito. Devido ao cerco no local, as consultas têm ocorrido de forma virtual, por um grupo de WhatsApp, mesmo com a dificuldade de acesso à internet e à energia elétrica no local.

No dia que deu início à guerra, a delegação do pastor Bueno partira de Jerusalém para Tel Aviv com o objetivo de antecipar o horário de volta ao Brasil. O grupo presenciou, no aeroporto de Ben-Gurion, um ataque de mísseis do Hamas ao local. O Estado judeu defendeu o aeroporto internacional com o sistema de defesa chamado de Domo de Ferro. O religioso conta que, após o retorno ao Brasil, começou a manifestar sinais da situação de estresse pela qual passou. “Eu estava chegando na minha clínica, em frente tem uma construção. Quando ligaram a betoneira, eu queria me jogar no chão e a sensação de perigo, de urgência, se manifestou.”

Em outra ocasião, ele explica que estava indo para uma reunião, que teve fogos de artifícios:  “Associei com o Domo combatendo os mísseis”. Quando choveu em Tocantins, estado onde mora, “teve trovão que também se asemelhou aos Domos combatendo os mísseis”. Ao longo dos três dias, em Israel, ele diz ter tido crises de ansiedade e de choro, mas, para Bueno, a partir de agora, existe a necessidade de ressignificar o som e as imagens para que o corpo e o psicológico compreendam que ele não está mais em um local de conflito.

Mecanismo de defesa

Para a psicóloga Letícia Cardoso Orlandi Silveira, que tem formação na área de Tension & trauma releasing exercises, o trauma não é a situação em si, mas a reação do corpo diante da situação vivida. “O processo de cura precisa de tempo, paciência e repetição. É uma questão de educar o corpo e entender que o perigo passou. Às vezes a cabeça sabe que passou, mas o corpo age como se tivesse acontecendo de novo, que é um dos sintomas do estresse pós-traumático”, comenta.

Na questão de estresse pós-traumático por guerras, é importante trabalhar em grupo, reforça a psicóloga, porque as pessoas podem dialogar sobre a mesma situação. “Conseguimos, em grupo, disponibilizar a sensação de pertencimento, a pessoa não está sozinha. Faz com que o processo seja mais acolhedor.”

Ainda segundo ela, as sensações e os registros de eventos traumáticos, sejam eles de qualquer natureza, mudam de pessoa para pessoa. As emoções por vezes não se manifestam no momento, porque é um mecanismo de defesa do corpo para proteger-se. Porém, os sintomas podem vir à tona depois, por meio de alguma doença, que obriga a pessoa a buscar auxílio.

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*Eduarda Paz, especial para o Correio, sob a supervisão de Andreia Castro

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