O Brasil recebeu, em 4 de setembro, uma primeira doação da Suíça para o Fundo Amazônia, de R$ 30 milhões. O país, com histórico de neutralidade em conflitos e atuação discreta em relação aos grandes assuntos multilaterais, defende a agenda ambiental como prioritária para o mundo, assim como a busca da paz na Ucrânia e no Oriente Médio. Ao Correio, o embaixador da Suíça no Brasil, Pietro Lazzeri, detalhou a importância da contribuição ao fundo e demais ações bilaterais entre os países, como a costura de um acerto sobre o mercado de carbono e a finalização do acordo de livre comércio entre o Efta (bloco formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e o Mercosul. Para o diplomata, Brasil e Suíça têm posições muito parecidas no cenário internacional, capazes de articular acordos e negociar soluções para os conflitos que surgem. Preocupa a Suíça, porém, a fragmentação cada vez maior das nações e o surgimento de mais e mais conflitos, como a guerra entre Israel e Palestina. A seguir, os principais pontos da entrevista.
A Suíça doou R$ 30 milhões para o Fundo Amazônia. Qual a importância dessa iniciativa?
A questão do meio ambiente e da sustentabilidade é uma das três pautas prioritárias da Suíça no Brasil: economia e comércio; inovação, ciência e tecnologia; e meio ambiente e sustentabilidade. A entrada da Suíça no Fundo Amazônia é coerente no marco das nossas relações com o Brasil. É uma primeira entrega de recursos, que já está aqui e pode ser usada imediatamente. É uma ferramenta importante, mas não é a única, porque temos uma agenda com várias ferramentas, mas faltava essa peça importante. Quando falo de outros instrumentos, é, por exemplo, no âmbito da água — temos um programa de água e saneamento regional, que o Brasil está dentro. A Suíça é parceira, também, do fundo do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para bioeconomia, e de outros fundos. Para nós, é realmente coerente. Além disso, temos 120 projetos bilaterais de ONGs (organizações não-governamentais) e de empresas suíças que buscam o equilíbrio entre a proteção do meio ambiente e o desenvolvimento.
Em relação ao meio ambiente, também estamos debatendo no Congresso uma proposta para regulamentação. Como a Suíça vê esse esforço?
A Suíça é o primeiro país do mundo que tem acordos bilaterais sobre o artigo 6 do Acordo de Paris. Temos vários exemplos: com Peru, com Gana, com Chile. Acho que o Brasil, sendo o gigante verde, precisa de uma legislação para dar solidez e credibilidade ao seu mercado de carbono. Estamos observando com grande interesse o debate no Congresso e começamos as discussões com autoridades brasileiras para, talvez, avançar com um acordo sobre o mercado de carbono. Uma lei seria ainda mais importante para nos acompanhar e, sobretudo, poderia trazer mais interesse dos investidores.
O governo Lula se esforça para inserir o Brasil na discussão internacional sobre o meio ambiente. É um gesto importante para outros países?
Sendo o Brasil um gigante verde, em nível global, precisamos do Brasil para buscar soluções. O que acontece no Brasil tem impacto além das suas fronteiras, com 66% da Amazônia. O grande desafio, para todo mundo, é achar esse equilíbrio entre proteção e alternativas para esses 30 milhões de pessoas que moram lá. Além disso, há também outros biomas. Como país amigo, a nossa contribuição é achar soluções trazendo tecnologia limpa. O suíço é modesto, mas somos o país mais inovador do mundo há 13 anos. Como um país assim pode contribuir? O potencial é enorme, porque as novas tecnologias podem contribuir para a proteção da selva, mas também das atividades produtivas para os habitantes da floresta.
Como estão as relações comerciais com o Brasil?
Temos aqui mais ou menos 550 empresas, em todos os setores. O Brasil é país prioritário para nós na América Latina. E a Suíça está sempre entre os 10 maiores investidores no Brasil, mas podemos fazer mais. Por isso, que precisamos finalizar o acordo de livre comércio Efta-Mercosul. Estamos nos últimos passos. Em paralelo à finalização deste acordo, estamos promovendo essa agenda de desenvolvimento e sustentabilidade. No nosso país, assim como no Brasil, é importante fazer negócios, mas, também, respeitar os direitos humanos e o meio ambiente. Essas agendas podem ser paralelas. Entre a potência verde, a agropotência que é o Brasil, e a potência tecnológica e inovadora, que é a Suíça, tem uma grande história de amor.
O Brasil passa a ocupar também espaços importantes nos organismos multilaterais, como, por exemplo, a presidência do G20, ao final do ano. Isso pode estreitar parcerias
O mundo precisa de um Brasil ativo e engajado, que promova interesses e valores. No nosso caso, temos uma parceria com o Brasil há 200 anos. Temos vários âmbitos nos quais trabalhamos de médio a longo prazo. Agora, com o novo governo, tivemos várias visitas para fortalecer a nossa cooperação na área econômica e comercial. Estamos juntos no Conselho de Segurança (das Nações Unidas). No G20, a Suíça vai, tradicionalmente, participar de vários grupos de trabalho: finanças, comércio, saúde, inovação e pesquisa. E a COP 30, para nós, é um horizonte muito positivo. Esperamos, em janeiro, ter uma delegação importante do Brasil no Fórum Econômico Mundial e, também, o presidente Lula. Esse é um bom momento, porque o Brasil pode apresentar as prioridades do G20 frente a um público de empresários, políticos e da sociedade civil. E as montanhas suíças são fantásticas. Faz um pouco de frio, mas valem a pena. Nossa agenda é com Brasília e com muitos estados. Em um país continental, temos agendas com vários estados prioritários.
Quais?
Posso citar várias pautas que a gente tem com São Paulo, muito importante na área econômica e na de pesquisa. Na infraestrutura, por exemplo, vamos ter uma missão em Belém em pouco tempo e outra em Pernambuco. Tivemos agenda no Paraná. Acho importante ter um trabalho em nível local, até porque temos muitos suíços em todos os países.
Como a Suíça avalia o atual cenário mundial? Quais são as maiores preocupações?
A Suíça é um país no coração da Europa, que tem uma vocação internacional. Consideramos Genebra a capital multilateral da paz, a capital humanitária. Na nossa política exterior, temos várias prioridades, como a promoção da paz, dos direitos humanos, da abertura econômica e da redução da pobreza. Estamos, sim, preocupados com os conflitos, que estão aumentando; e com a migração — tem milhões de pessoas que estão fugindo, saindo de seus países. A mudança climática é uma evidência na Suíça, no Brasil, no Mediterrâneo, no Caribe. Se você olha todos esses problemas, têm uma coisa em comum: precisam de uma resposta coletiva. Em um mundo fragmentado, como é possível achar soluções? Suíça e Brasil têm uma coisa em comum, apesar das diferenças de tamanho: falamos com todo mundo e temos capacidade de articulação para construir a paz e achar soluções além do conflito. Não é fácil, é complicado. Por isso, temos que trabalhar juntos.
O que leva a esses novos conflitos?
Estamos em um momento da história da humanidade no qual parece difícil a busca da paz justamente porque estão se formando blocos. Por isso é que é importante se estabelecer pontes, e isso se faz com diálogo. Nossa neutralidade também está a serviço do restante do mundo, porque a neutralidade oferece a capacidade de falar com todo mundo. Não significa que seja fácil achar a paz, mas, pelo menos, tentamos.
Os países, até o momento, parecem falhar na busca por uma paz. Tem a guerra entre Rússia e Ucrânia e, agora, de Israel com o Hamas. É possível mediar esses conflitos?
Têm conflitos com raízes profundas. Eu mesmo fui mediador, então conheço bem essa realidade. E tem conflitos novos. Não tem uma solução fácil. O que me parece essencial é o respeito ao direito internacional, primeiramente. Segundo: uma análise honesta das causas do conflito. E, terceiro: estabelecer grupos de países que têm boa vontade para achar soluções às guerras. É possível. É fácil? Não, mas não tem outro caminho. Todo conflito tem, ao final, uma negociação. Ninguém vai ter 100%, 90% (das demandas atendidas). Fala um diplomata que vem de um país que, agora, é pacífico, neutro, mas não é indiferente. Tivemos um passado também de guerra. Há 500, 600 anos, foi muito difícil, mas a gente aprendeu que, sem o compromisso da negociação, não é possível achar solução.
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