Meio ambiente

Alerta de queimada ilegal em área desmatada na Chapada dos Veadeiros

Moradores de comunidade rural dedicada à agroecologia denunciam ação de fazendeiro. Desmatamento pode prejudicar fontes de água da região e provoca expressiva perda de biodiversidade do Cerrado

Moradores da ecovila Condomínio Habitat, em São João d'Aliança (GO), na Chapada dos Veadeiros, estão apreensivos com o agravamento da devastação de uma área de cerca de 400 hectares vizinha à comunidade. No fim do mês passado, o caso foi denunciado ao Ministério Público (MP) e à Secretaria de Meio Ambiente de Goiás (Semad-GO), mas nenhuma providência efetiva foi tomada até o momento. Nesta quinta-feira (21/9), aparentemente sem licença prévia, o proprietário da fazenda, dono de uma conhecida marca de café, ateou fogo nos restos de vegetação de Cerrado nativo desmatado nas últimas semanas.

As labaredas foram avistadas a quilômetros de distância e uma espessa nuvem de fumaça cobriu a região. "Não é possível que uma queimada dessa ocorra no período mais quente e seco do ano, com temperatura de quase 40 graus, especialmente sem autorização do órgão competente. Entrei em contato com um servidor local e fui informado de que não havia licença para essa atividade. É um absurdo", reclamou um morador da comunidade. "Vamos anexar os registros dessa ocorrência à nossa representação inicial ao MP e esperamos que o caso possa ser esclarecido o mais brevemente possível", completou.

A associação de moradores do Condomínio Habitat teme que o desmatamento da vegetação nativa possa prejudicar as fontes de água que abastecem a ecovila. Não houve Estudo de Impacto Ambiental prévio à autorização do empreendimento. Além disso, a comunidade reclama da perda do acesso ao complexo de cachoeiras conhecido como Vale do São Pedro, historicamente visitado por turistas e moradores locais.

No início deste mês, o Ministério Público instaurou Notícia de Fato Criminal para apurar o caso. A Semad-GO ainda não se pronunciou sobre as denúncias recebidas. Na última manifestação à reportagem, limitou-se a dizer, por meio da assessoria de comunicação, que "a superintendência de fiscalização está monitorando a situação."

Considerado o "berço das águas", pois abriga as nascentes de oito das 12 principais bacias hidrográficas do país, o Cerrado sofre, ano após ano, significativa perda de cobertura vegetal nativa, especialmente para a expansão do tradicional agronegócio. Os dados mais recentes do Sistema Deter, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), informam que o bioma bateu recorde negativo no período compreendido entre agosto do ano passado e julho de 2023. A devastação alcançou 6.359km², a maior área desde o biênio 2016-2017, o mais antigo da série histórica. Em relação ao período anterior (2021-2022), a alta foi de 16,5%.

 

Associação de Moradores SJA/Divulgação - Queimada em área de Cerrado, em São João d'Aliança (GO), na Chapada dos Veadeiros

Especificamente em Goiás, a situação coloca ambientalistas em alerta. Em junho passado, o governador Ronaldo Caiado (UB), que exerce o segundo mandato consecutivo, sancionou a Lei estadual nº 22.017/2023, que alterou trechos de quatro normas anteriores relacionadas à política ambiental. Aprovada após um mês desde a apresentação, a proposta teve tramitação relâmpago na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), amplamente alinhada ao Palácio das Esmeraldas.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), divulgado pelo Mapbioamas, Goiás ocupa a quinta posição no ranking de maiores desmatadores do Cerrado, atrás de Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí. De acordo com o levantamento, no primeiro semestre de 2023, o estado vizinho ao Distrito Federal teve 36,8 mil hectares de área degradada, o equivalente a 34 mil campos de futebol. Niquelândia (2,5 mil hectares) e São João d'Aliança (1,6 mil hectares) são os municípios mais afetados. A organização ambientalista WWF estima que, no total histórico, o bioma perdeu cerca de 50% da cobertura original.

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