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Advogada critica condução de inquérito sobre morte da escrivã da PC

O inquérito que investigava a morte da escrivã foi finalizado e entregue ao Ministério Público de Minas Gerais

Rafaela morreu no dia 9 de junho deste ano -  (crédito: Redes sociais/Reprodução)
Rafaela morreu no dia 9 de junho deste ano - (crédito: Redes sociais/Reprodução)
Pedro Faria - Estado de Minas
postado em 15/09/2023 01:41 / atualizado em 15/09/2023 01:41

A advogada Raquel Fernandes, que fez parte da defesa da família da escrivã da Polícia Civil, Rafaela Drumond, morta no dia 9 de junho deste ano, criticou a condução das investigações feitas pela instituição contra os servidores suspeitos de assédio. Nesta quinta-feira (14/9), o Ministério Público recebeu o inquérito que denunciou o delegado Itamar Cláudio Neto, que trabalhava na delegacia de Carandaí, a mesma em que Rafaela era lotada, pelo crime de condescendência criminosa.

No inquérito, a Polícia Civil também indiciou o investigador Celso Trindade de Andrade pelo crime de injúria. O processo contra ele será descontinuado e arquivado, já que o prazo para que se dê entrada judicial em crimes contra a honra, como a injúria, é de seis meses. A investigação apontou que os fatos ocorridos entre Celso e Rafaela aconteceram em 2022.

Raquel não é mais representante da família, mas atuou em grande parte do processo e também é advogada de outras mulheres que denunciaram casos de assédio dentro da Polícia Civil do estado. 

Em entrevista ao Estado de Minas, a advogada diz que enxerga com preocupação os crimes imputados aos dois investigados. "Chega a ser ridículo, diante de todas as provas que foram constituídas nos autos, bem como todos os áudios e vídeos que vieram a circular na mídia.

Não restou dúvidas que o inspetor Celso praticou os crimes de assédio sexual e moral, diante de todas as provas que foram circuladas na grande mídia e foram vistas por toda a sociedade, de forma perplexa", disse. 

"A impressão que se dá é que tudo foi arquitetado e planejado para poder isentá-los das punições corretas e, que assim a justiça não fosse feita da maneira que deveria ser feita, dando satisfação à sociedade, na forma de punição correta aos assediadores da Rafaela e de tantas outras mulheres", completou a advogada.

O crime em que o delegado foi indiciado se aplica quando "deixa de responsabilizar o subordinado que cometeu alguma infração no exercício do cargo" ou quando não comunica "o fato ao conhecimento da autoridade competente". Raquel entende que ele também deveria ter sido responsabilizado pelos assédios atribuídos à Rafaela. "Ele pode até ter praticado esse crime sim, mas ele, também, assediou moralmente a Rafaela, pois isso restou comprovado por todos os áudios, vídeos e mensagens que ela deixou como prova. Mas teria que ser responsabilidade por assédio moral, também, já que era superior dela", explicou.

"Nossa luta por justiça, perde muito com o final deste inquérito, pois mais uma vez estamos vendo a justiça ficar de lado em detrimento de machismo institucional e condescendência da própria polícia em relação a homens que cometem crime dentro da instituição, ao passo que servidoras mulheres são assediadas sexualmente e moralmente todos os dias", finalizou Raquel.

Família também ficou insatisfeita com a conclusão do inquérito

O pai de Rafaela, Aldair Drumond, conversou com a reportagem e também disse estar insatisfeito com o resultado final do inquérito. Para ele, tanto o delegado quanto o investigador deveriam ter sido incluídos na denúncia de assédio. "No meu ponto de vista, a polícia pegou leve. Eles deveriam ter incluído o assédio. Foi comprovado que houve o assédio. Como pai, vejo que deveriam ter sido indiciados pelos assédios", disse.

"Acontece que eles investigaram como indução ao suicidio. O que teve mesmo foi o assédio.

Eu entreguei minha filha 100% para a polícia. Esse indiciamento comprova que ela sofreu algo lá dentro. Abaixou a auto estima dela, afetou toda a vida, não só na polícia, mas também fora da vida profissional dela", completou Aldair.

Confira a nota da Polícia Civil

A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que devido ao sigilo decretado nos autos, e a tramitação da sindicância, não é possível a divulgação de informações mais detalhadas. Seguem as informações possíveis de serem repassadas no momento: A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informa que concluiu o inquérito policial que apurou as circunstâncias da morte da escrivã de polícia Rafaela Drumond. O procedimento foi relatado e remetido, dentro do prazo legal, nesta quarta-feira (13/9), à promotoria de justiça na comarca de Carandaí/MG. Tratou-se de uma investigação minuciosa e complexa, em que foram realizadas diversas diligências, destacando-se as oitivas de testemunhas e de envolvidos, a extração e análise dos dados do aparelho telefônico da escrivã, além da elaboração de outros laudos periciais. O inquérito policial, que tramitou sob sigilo, será analisado pelo Ministério Público, órgão de fiscalização e controle externo da atividade policial, a quem cabe propor eventual ação penal. A PCMG esclarece que tramita na Corregedoria-Geral de Polícia Civil sindicância administrativa com o objetivo de apurar possíveis infrações disciplinares por parte de seus servidores.

Relembre o caso

A escrivã Rafaela Drumond, de 31 anos, tirou a própria vida em 9 de junho, na casa de seus pais no distrito de Antônio Carlos, na Região do Campo das Vertentes. Ela trabalhava em uma delegacia em Carandaí e, meses antes do fato, enviou áudios para a família e amigos relatando situações de abuso e assédio por parte de colegas. O caso ainda está sendo apurado pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil de Minas Gerais. Os suspeitos de assediar a mulher foram transferidos da unidade em que trabalhavam, mas permanecem trabalhando.

Tanto o celular de Rafaela quanto vídeos enviados por ela aos amigos começaram a ser periciados pela Polícia Civil. Nos áudios obtidos pela investigação, Rafaela relata situações de assédio moral e sexual, perseguição, boicote e até uma tentativa de agressão física por parte de um colega de trabalho. Em uma das mensagens, ela explica que não queria tomar providências em relação aos fatos por medo.

"Não quis tomar providência porque ia me expor. Isso é Carandaí, cidade pequena. Com certeza ia se voltar contra quem? Contra a mulher. Eu deixei, prefiro abafar. Eu só não quero olhar na cara desse boçal nunca mais", narra.

Em outra gravação, a escrivã disse estar cansada dos episódios, que se mostravam recorrentes. Os áudios teriam sido enviados em fevereiro, quatro meses antes da morte de Rafaela. "Eu nem contei para vocês, porque, sabe, umas coisas que me desgastam. Quanto mais eu falo, mais a energia volta. Fiquei calada. Fiquei quieta, na minha, achando que as coisas iriam melhorar. Eu não incomodo muita gente, mas, enfim, agora chega", diz Rafaela, na gravação.

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