Por Isabel Dourado*
A 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, ontem, manter a anulação do tribunal do júri que condenou quatro pessoas pela tragédia da Boate Kiss — na qual morreram 242 pessoas e 636 pessoas feridas, em 27 de janeiro de 2013. Após 10 anos, até o momento ninguém foi responsabilizado pela justiça. A Corte decidiu pela suspensão por 4 x 1 e as famílias das vítimas lamentaram o resultado, que classificaram como "decepcionante".
Com a decisão, as condenações dos réus — Elissandro Spohr e Mauro Londero Hoffmman, sócios da casa noturna, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, integrantes da banda Gurizada Fandangueira — foram anuladas. O Ministério Público (MP) pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas um novo júri está previsto para acontecer daqui a três meses.
O STJ reconheceu as seguintes nulidades: irregularidades na escolha dos jurados; realização de uma reunião privada entre juiz e jurados; ilegalidade na elaboração dos quesitos; e suposta inovação da acusação na fase da réplica. Os advogados dos réus pediram a anulação do julgamento.
Em agosto de 2022, por 2 x 1, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) anulou o júri, ocorrido em dezembro de 2021. O MP recorreu ao STJ para que a decisão do julgamento fosse mantida.
Em junho, o ministro relator Rogerio Schietti defendeu o restabelecimento das condenações, pois considerou que os pontos levantados pelas defesas dos réus não influenciaram o julgamento. O magistrado ainda elogiou o juiz Orlando Faccini Neto, que presidiu o júri dos quatro responsabilizados pela tragédia. Os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Sebastião Reis, Jesuíno Rissato e Laurita Vaz discordaram do relator e mantiveram a anulação decidida pela 1ª Câmara Criminal do TJ-RS.
Divergência
Palheiros, Reis e Saldanha apontaram a reunião do juiz Faccini Neto com os jurados como "completamente irregular e anômala". Para o ministro Saldanha, a reunião "traz uma influência que não tem como salvar o procedimento". "Uma opinião do magistrado traz uma influência que não tem como salvar o procedimento. A própria incomunicabilidade dos juros fica comprometida", destacou.
Rissato também foi crítico em relação à reunião entre o juiz e os jurados. "Como essa Corte é uma Corte de precedentes, não podemos admitir que em qualquer comarca, em qualquer juízo deste país, o presidente do tribunal do júri resolve suspender o júri para ter uma reunião a sós com os jurados sem participação das partes", criticou.
A Associação de Familiares das Vítimas da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) lamentou a decisão. "Mais uma decepção com o Judiciário. Com isso, os quatro réus continuam em liberdade e um novo julgamento será marcado. Até quando a impunidade vai servir à injustiça? Foram 242 vidas roubadas, 636 jovens que sobreviveram àquela noite marcada pela ganância e pelo horror. São famílias destruídas, pais e mães que, 10 anos depois, lutam e esperam pela justiça", criticou a entidade. Elissandro Spohr, Mauro Hoffmman, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha foram sentenciados a penas de 18 a 22 anos de prisão.
Com a tragédia, houve mudanças na legislação do Rio Grande do Sul, com normas de prevenção e combate a incêndios a todos os imóveis não considerados como unifamiliares exclusivamente residenciais. Com a chamada "Lei Kiss", edifícios passaram a ser classificados como de baixo, médio ou alto risco de chamas.
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
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