questão indígena

Zanin vota contra o marco temporal

Decisão do ministro era aguardada com ansiedade, pois em recentes ações (sobre o porte de maconha e a equiparação da homofobia à injuria racial) se alinhou aos conservadores. Placar é 4 x 2, ampliado por Barroso

Ministro Cristiano Zanin -  (crédito: Carlos Alves Moura/SCO/STF)
Ministro Cristiano Zanin - (crédito: Carlos Alves Moura/SCO/STF)
Renato Souza
postado em 01/09/2023 03:55

Os ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), votaram, ontem, contra o marco temporal das terras indígenas. Com isso, o placar até agora é de 4 x 2 contra o atrelamento da demarcação das terras dos povos nativos à data da promulgação da Constituição de 1988. O julgamento será retomado na próxima semana.

Havia uma grande expectativa sobre o voto de Zanin — se novamente decepcionaria os setores progressistas, que cobram dele alinhamento automático com as propostas defendidas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ou os conservadores, que se veem representados na Corte por Nunes Marques e André Mendonça, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. O ministro foi duramente criticado por votar contra a equiparação da homofobia como crime de injúria racial e a descriminalização do porte e da posse de maconha para uso pessoal.

Para Zanin, as constituições anteriores à de 1988 já previam direitos dos indígenas sem qualquer conexão com marcos temporais para decidir sobre a ocupação de terras.

"A escolha do constituinte sobre as terras tradicionais ocupadas pelas comunidades indígenas independe da fixação de marco temporal de 5 de outubro de 1988", afirmou. "Verifica-se a impossibilidade de se impor qualquer marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que possuem a proteção da posse exclusiva desde o Império", acrescentou.

O magistrado, no entanto, seguiu a tese aberta pelo ministro Alexandre de Moraes de que a União deve ser obrigada a indenizar eventuais ocupantes ou donos de terras que sejam desapropriadas para demarcação — uma vez reconhecidas como local ocupado historicamente por comunidade tradicional. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entende que essa proposta, caso avance, pode travar as demarcações no país, tendo em vista a ausência de previsibilidade dos custos no orçamento do Poder Executivo. Zanin entende que a obrigação também pode ser estendida para estados e municípios.

Reconhecimento

Ao votar, em seguida, Barroso teve um entendimento diferente. Para ele, o direito às terras dos povos originários é reconhecido na Constituição, sem a fixação de marco temporal. Porém, salientou que não existe obrigação do poder público em indenizar terras demarcadas, pois elas sempre foram dos indígenas. Ele permite o ressarcimento apenas na hipótese em que a União tenha repassado a posse da terra a um particular não indígena por erro, quando o local não poderia ter sido concedido para uso.

Já para André Mendonça, que concluiu o voto no começo da sessão, no momento da elaboração da Constituição, os integrantes da assembleia tiveram o objetivo de criar uma estabilidade sobre o tema para reduzir os conflitos com indígenas por território no país. Assim, segundo ele, a fixação da data de 5 de outubro de 1988 como marco para as demarcações encontra respaldo no ordenamento jurídico.

"Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas, antes, de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma reconstrução do presente e do futuro. Entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura que faço do que foi o texto e a intenção do constituinte originário, de trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação", defendeu.

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