Análise

Alexandre Garcia: democracia ou farsa?

Colunista adverte: "Eleitor apático e passivo pagador de impostos é massa inerte ante autoritarismos que não se submetem à Constituição. Mandantes desligados de seus mandatários abandonam o canal de intermediação do poder"

Os deputados anunciados como ministros já estão votando a favor do Palácio do Planalto, informa o ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha. No governo de Luiz Inácio Lula da Silva, os ministros André Fufuca e Sílvio Costa Filho ainda não sabem do que vão ser ministros, mas o presidente abre as vagas quando voltar da África. Em consequência, o deputado Fufuca vai dar uma banana para seus 135 mil mandantes e o deputado Sílvio fará o mesmo gesto para 162 mil eleitores. Para eles, fica mais fácil ter um chefe único — e os representados deles terão que esperar a próxima eleição para fazer isso. Triste saber que isso é usual nas relações entre representantes e representados, quando o mandatário decide servir a outro senhor.

Assim, não há democracia representativa que se sustente. Mês passado, o presidente bateu o recorde de liberação de emendas: R$ 11,8 bilhões — isso é mais do que o orçamento do município de Porto Alegre para o ano inteiro de 2024. Os contribuintes muito suaram para pagar tudo isso em impostos.

Trabalha-se cinco meses por ano para sustentar o Estado, a pretexto de que ele, em favor do povo, preste bons serviços de polícia, justiça, ensino, educação e infraestrutura básica. Os R$ 11,8 bilhões de julho se destinam a atrair votos para o governo, que é de esquerda. Na eleição de 5 de outubro de 2022, a Câmara assumiu um perfil de 73% de centro-direita e o Senado, 67%. Supostamente, essa foi a vontade do eleitor naquele dia.

Mas o eleitor é a parte fácil de ser traída à distância. Sem voto distrital, não apenas na infidelidade ao voto, mas até abandonando o mandante para servir a outro poder, o Executivo. Por que isso acontece?

Apenas pela atração que sente um deputado que, sendo um em 513 da Câmara, quer se valorizar e ser um em 37 ou 39 no ministério? Será pelas emendas? Será que é o poder sobre o orçamento do ministério? Será que é por falta de formação política, que negligencia seus eleitores? Ou por falta de formação de eleitores, que não se importam, não exigem, não cobram, não sabem que são mandantes de um mandatário e, talvez, nem saibam em quem votaram?

Influência

E mais uma pergunta: quem influencia mais esse representante do povo no Congresso Nacional — o que diz a tevê, o jornal ou seus eleitores? Ninguém perguntou aos mandantes, na hora de votar os fundos partidário e eleitoral, se concordam em sustentar todos os partidos políticos, inclusive os adversários. Aí, a expressão "todo poder emana do povo" vira farsa.

Na prática, a verdade é que todo o sustento do Estado emana do povo, já que é o pagador final dos impostos como consumidor. Paga tudo e não exerce o poder.

Na influência sobre o parlamentar, a mídia supera o eleitor e o substitui. Seria ela a grande mandante? Se assim for, temos mais um desvio na representação, neste "poder que emana do povo", que serve apenas como rótulo de democracia.

Eleitor apático e passivo pagador de impostos é massa inerte ante autoritarismos que tributam, restringem, censuram, prendem e não se submetem à Constituição. Mandantes desligados de seus mandatários abandonam o canal de intermediação do poder. E, como se sabe, o poder não suporta vácuo. Não há democracia que conviva com isso. Resta apenas um rótulo enganoso.