A morte de Maria Bernadete Pacífico, 72 anos, líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA), alerta para especulação imobiliária de terreiros de religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda. O caso, que ocorreu na última quinta-feira, gerou comoção dentro e fora do país e, segundo lideranças, a intolerância religiosa e o racismo são pano de fundo.
O Escritório Regional para a América do Sul da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos publicou, ontem, uma nota em que pede investigação "célere, imparcial e transparente" sobre a morte de Maria Bernadete.
"A ONU Direitos Humanos convoca o Estado brasileiro a realizar uma investigação célere, imparcial e transparente, e que sejam respeitados os mecanismos de proteção legal para o amparo das comunidades quilombolas, bem como medidas de proteção e reparação para os familiares e a comunidade de Bernadete Pacífico", diz o comunicado. O representante da organização, Jan Jarab, reforça: "Este crime terrível não pode ficar impune".
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Líderes religiosos alertam sobre perseguições. "Não só na Bahia, como em todo Brasil, os nossos terreiros são alvos das especulações imobiliárias. Não é por acaso que nossas casas são na periferia, afastadas, porque a gente gosta de viver perto da natureza", afirma Tata Ngunzetala, liderança candomblé do Terreiro Tumba Inzo A'na Nzambi Junsara, em Águas Lindas de Goiás (GO). De acordo com ele, o quilombo de Mãe Bernadete, como a líder era chamada, sofria perseguição havia muito tempo.
O próprio filho da líder Mãe Bernardete, Binho, de 36 anos, foi assassinado a tiros em 2017 por conflitos de terra. Desde então, além de liderar seu quilombo e coordenar a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), Bernadete fazia frente por justiça e resolução do caso do filho, que até hoje segue em aberto.
Premeditação
"Foi algo premeditado", comenta Tata sobre a maneira com que o crime foi realizado. Os assassinos teriam entrado na casa de Mãe Bernadete, feito familiares reféns, e executado a mulher com 12 tiros. Dados do Conaq mostram que, na última década, 30 quilombolas foram executados — a maioria era liderança e foi morta por arma de fogo dentro de casa, sem chance de defesa. Os estados com maior número de registros são Bahia (11), Maranhão (8) e Pará (4).
Para além da questão territorial, Tata indaga: "Se fosse a igreja, estaria sofrendo a mesma especulação [imobiliária]?". De acordo com ele, a intolerância é pano de fundo dos crimes contra quilombolas. "A igreja é acatada como valor constitutivo da sociedade. Agora, como é um território tradicional de pessoas pretas, aí parece que não vai dar em nada", alerta. "Até que ponto devemos pedir misericórdia para sobreviver dentro da nossa religião?", desabafa Bábà Egbé Cláudio De Oxum, de São Bernardo do Campo, São Paulo. O líder de candomblé faz apelo para que as autoridades tomem medidas contra a perseguição religiosa e racismo: "Olhem para a gente como ser humano de verdade, que precisa de apoio". Sobre isso, Tata comenta que o Projeto de Lei (PL) nº 1279/2022, de autoria da deputada Erika Kokay (PT-DF) tramita na Câmara dos Deputados. O texto prevê ações de reconhecimento das comunidades de matriz africana. Entre as ações está "a inviolabilidade dos territórios tradicionais de matriz africana (como terreiros, barracões e casas de batuque), salvo mandado judicial".
A proteção dos defensores de direitos humanos também foi uma das questões levantadas na morte de quilombolas. Em entrevista à Agência Brasil, o filho Jurandir Wellington Pacífico teria dito que ela fazia parte do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas e recebia rondas policiais de 20 a 30 minutos por dia, o que não foi suficiente. Em nota publicada ontem, o Ministério de Direitos Humanos e Cidadania se manifestou sobre o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do governo federal. O órgão se esquivou da responsabilidade de garantir a segurança de defensores dos direitos humanos afirmando que o programa é uma parceria entre o governo federal e os estados, e, por isso, a execução é feita pelo núcleo local responsável. "Quando há programa estadual, quem delibera sobre os casos é o Conselho Deliberativo Estadual (Condel) [...], portanto, as inclusões e exclusões são objeto de decisão colegiada, sem comunicação ou controle por parte do governo federal", diz o texto.
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