VIOLÊNCIA

Justiça condena golpista por assédio psicológico à ex-mulher; decisão é inédita

Juiz afirma, em sentença, que empresário montou uma fábrica de difamação contra a vítima, que enfrenta sequelas profundas. Ele cobrava pensão alimentícia de R$ 100 mil por mês

Lisboa — O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura, que vive em Portugal, por assédio violento contra a ex-mulher Patrícia Bueno Netto. É a primeira sentença judicial nesse sentido. Na decisão, tomada em 25 de julho, o juiz Camargo Aranha Filho, descreve, com detalhes, o esquema montado por Bottura para atormentar a vítima. Segundo o magistrado, o réu — denunciado por golpes em mais de 500 pessoas — passou a encher Patrícia de mensagens por meio do SMS, montou uma fábrica de difamação contra ela na internet e ainda recorreu à Justiça para cobrar uma pensão alimentícia de R$ 100 mil por mês. A sentença foi de dois anos e quatro meses, a princípio, em regime aberto. O empresário nega as acusações.

Patrícia e Bottura se casaram em 2004. De início, parecia ser o casamento dos sonhos. Mas, de acordo com o depoimento da mulher, aos poucos, a vida dela foi se transformando em um inferno. Ele passou a agredir a vítima verbalmente e a desqualificá-la. Três anos depois, já abalada emocionalmente, ela pediu a separação. A partir daí, o assédio psicológico só aumentou. “Após o término da união, Bottura passou a enviar emails, mensagens de celular e através de páginas da internet ofendendo e ameaçando a vítima e seus familiares, criou blogs na internet a fim de expor a intimidade de Patrícia e de sua família e confeccionou um dossiê difamatório das empresas da família”, diz a sentença.

O juiz detalha, ainda, em sua decisão, que o empresário “tentou se apossar dos bens” da família de Patrícia e “passou a ajuizar inúmeras ações judiciais em diversas comarcas do país” com o intuito de prejudicar a vítima e pessoas próximas a ela. Quando as ameaças se tornaram mais intensas, em 2008, a mulher “lavrou boletins de ocorrência e atas notariais”. Por conta das ameaças, Patrícia e sua família passaram a viver em função das ações judiciais movidas por Bottura, o que fez com que Patrícia sentisse o peso de ter se envolvido com aquele homem e colocado a família naquela situação. “Em razão desses fatos, a vítima suportou lesão psíquica de natureza grave pela incapacidade para as ocupações habituais e debilidade da função psíquica”.

Sequelas profundas

Para comprovar a violência dos ataques de Bottura, Patrícia passou por avaliação do Instituto Médico Legal (IML). O laudo informa que “houve ofensa à integridade corporal ou à saúde” de Patrícia, “de natureza grave”, decorrente de “transtorno de estresse pós-traumático”, causado por meio insidioso (“violência psíquica crônica e recorrente”) utilizado pelo ex-marido dela. A mulher continua com acompanhamento psicológico até hoje. “Fui atacada com ofensas, humilhações, perseguições e ameaças ao longo de um considerável tempo, o que me levou a ter baixa autoestima, falta de motivação, tristeza profunda e depressão”, narrou Patrícia ao longo do processo.

Nos depoimentos, ela contou que, de início, Bottura era “um namorado perfeito”, mas, depois, percebeu os abusos e a violência a que era submetida, embora nunca tenha sido agredida fisicamente. Com o término do casamento, acrescentou Patrícia, iniciou-se a perseguição psicológica, com pedido de pensão de R$ 100 mil para o pai dela, cartas precatórias de outra cidade para pegar objetos na casa de seus pais e vários processos. Essas medidas judiciais partiam da então juíza Margarida Elisabeth Weiler, da comarca de Anaurilândia, Mato Grosso do Sul. A magistrada foi aposentada compulsoriamente, acusada de fraudes em parceria com Bottura, apontado como o maior litigante da Justiça brasileira.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acatou denúncia do Ministério Público contra Bottura. Ele é acusado de chefiar uma organização criminosa, que inclui o pai dele, Luiz Célio Bottura, a mãe, Maria Alice Auricchio Bottura, a mulher, Raquel Fernanda de Oliveira, e seus advogados, Cibele Berenice de Amorim, Vannias Dias da Silva, Artur Abumansur de Carvalho e Daniel Calazans Palomino Teixeira. A Justiça identificou mais de 500 vítimas do grupo, lesadas em milhões de reais desde 2007. Eles negam as acusações.