A professora da rede pública de São Paulo que doou, durante seis meses, cerca de R$ 204,5 mil à Igreja Universal do Reino de Deus deverá receber o valor de volta, segundo decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. A igreja tentou reverter a decisão, mas a 29ª Câmara de Direito Privado analisou e negou provimento ao recurso na última terça-feira (8/8).
Em nota, a Universal informou que irá recorrer da decisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A primeira transferência feita pela professora à igreja ocorreu em dezembro de 2017, no valor de R$ 7,5 mil. Em junho de 2018 a mulher transferiu mais R$ 197 mil, divididos em dois depósitos, um de R$ 193.964,25 e outro R$ 3.035,75.
Com o salário líquido de R$ 1,5 mil, ela ainda sustenta o marido e a filha, ambos desempregados.
- Justiça bloqueia R$ 2,7 milhões de contas da Universal para pagar dívidas
- Igreja Universal deve devolver a quantia doada por casal de fiéis
A professora era membro da Igreja Universal desde 1999 e disse que continuou na instituição “porque acreditava que só assim manteria um relacionamento de fé com Deus”. De acordo com a decisão do TJ-SP, a mulher foi "pressionada pelos pastores a doar tudo o que tinha" em troca de supostas “bênçãos de Deus” e em obediência à palavra bíblica. Logo a família começou a "suportar grave crise econômica decorrente da sanha da apelante por dinheiro, cujos representantes permaneciam prometendo riquezas e bens".
O juiz Carlos Alexandre Bottcher, da 4ª Vara Cível de São Paulo, anunciou em março de 2022 a sentença e disse que a mulher "foi vítima de coação na realização das doações à ré", especialmente em razão de "pressões psicológicas empreendidas pelos membros da organização religiosa para realização de tais ofertas", em uma campanha denominada Fogueira Santa.
O valor doado à Universal representaria todo o patrimônio que ela reuniu em cerca de 30 anos de trabalho e alegou ter sido coagida a efetuar as doações entre 1999 e 2018. O magistrado citou o depoimento de testemunhas de que a campanha de doações 'Fogueira Santa' seria um espécie de sacrifício material em que o fiel espera ser honrado por uma divindade. Assim o valor doado “impactou a subsistência das autoras e de sua família, abarcando a totalidade de seus bens sem que fizesse reserva para sua subsistência ou de quinhão destinado à herdeira”, e o valor deve ser restituído a ela.
“Trata-se apenas da aplicação de um controle judicial legítimo sobre atos que afrontam direitos fundamentais do ser humano, quais sejam, dignidade, boa-fé e honra”, explicou o desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, relator do recurso.
Em apelação à sentença dada em primeira instância, a Igreja Universal disse que a decisão "demonstra flagrante intolerância religiosa" e "pratica a intervenção judicial à organização religiosa para atribuir o valor de ilicitude ao simples ato de as doações serem vinculadas ao discurso religioso da 'bem-aventurança'".
Entenda a decisão
Em processo de primeira instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) decidiu anular a doação em março de 2022, mas a Universal recorreu da sentença e alegou que a professora que doou o valor estava “em pleno gozo de sua capacidade civil, logo, com condições de avaliar e medir os princípios e propostas que lhes foram apresentadas”.
Na última terça-feira (8), os desembargadores da 29ª Câmara de Direito Privado, do TJSP, discordaram dos advogados da igreja e negaram o recurso da Universal. A igreja universal foi procurada para se pronunciar sobre o caso, mas o Correio não obteve respostas.
Ao g1, a Universal divulgou a seguinte nota:
"A Igreja Universal do Reino de Deus irá recorrer da decisão ao STJ, com a absoluta certeza de que a decisão será revertida, fazendo com que a Justiça e a verdade prevaleçam.
A Universal também reforça que faz seus pedidos de oferta de acordo com a lei e dentro do exercício regular do seu direito constitucionalmente assegurado de culto e liturgia. Desta forma, exatamente em razão da liberdade religiosa, não é possível qualquer tipo de intervenção do Estado -- incluindo o Poder Judiciário -- na relação de um fiel com sua Igreja.
Vale lembrar que a autora desta ação é uma professora de escola pública. Uma pessoa esclarecida, bem formada e informada, que conseguiu ser aprovada em um concurso público, sendo totalmente capaz de assumir suas próprias decisões.
Além disso, tendo sido membro da Igreja por 18 anos, conhecia profundamente seus rituais litúrgicos, e jamais alegou ter sofrido qualquer tipo de “coação”".
*Estagiário sob supervisão de Pedro Grigori