A criação de uma frente política em defesa do "protagonismo" de Estados do Sul e do Sudeste, recém-anunciada pelo governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), tem sido defendida por grupos que pregam uma separação definitiva entre Sul e Norte do Brasil.
Em entrevista do jornal O Estado de S. Paulo no domingo (06/08), o governador mineiro anunciou o novo Cossud (Consórcio Sul-Sudeste) e comparou o país a um produtor rural que dá "tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito".
As primeiras seriam Estados do Norte e Nordeste, enquanto as últimas seriam Estados do Sul e Sudeste.
As falas, que tiveram forte reação em Brasilia, também rendem debate intenso nas redes sociais.
Pelo Twitter, um mapa do Brasil com as palavras "muro já" separando Estados ao Sul e ao Norte junto à frase "força Zema, apoiamos você" foi curtido e compartilhado quase 10 mil vezes.
"Já passou da hora de pensarmos na possibilidade de independência dos Estados do Sul e Sudeste. Chega de pagar a conta de Estados que não querem nada a não ser sugar até a última gota de sangue de quem trabalha e produz", reagiu o perfil de um grupo separatista paulista no Facebook, junto a um link para a entrevista do governador de Minas Gerais.
A Constituição brasileira não permite a independência de Estados da Federação.
Questionado pela reportagem sobre o apoio de movimentos separatistas às falas do Zema, o governo de Minas Gerais encaminhou link para um tuite em que o governador afirma que "a união do Sul e Sudeste jamais será pra diminuir outras regiões" (veja mais abaixo).
Separatismo
Outra versão do mapa do Brasil, excluindo totalmente estados acima de Minas Gerais, circula em grupos no Telegram com hashtags separatistas defendendo a independência do Sul do país.
Nas mesmas redes, separatistas compartilham junto à fala de Zema a defesa do que chamam de "Brasil do Sul" ou "Confederação Sul-Sudeste" – uma proposta de divisão política definitiva no país.
"A bandeira deles é uma das nossas há 31 anos", diz à BBC News Brasil Nãna Freitas, presidente do Movimento O Sul é o Meu País, que desde 1992 defende a separação definitiva de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná do resto do Brasil.
"Mas sabemos que um passo precisa ser dado de cada vez", continua Freitas.
"Não estamos aqui pra buscar uma secessão à força. Isso nunca fez parte de nossa caminhada. Agimos de maneira democrática e consultiva a população, aderindo simpatizantes da ideia. Existimos e resistimos ano após ano por trabalharmos dentro do que a Constituição Federal nos permite."
Segundo o primeiro artigo da Constituição Federal, a República Federativa do Brasil é "formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal".
O pacto federativo é cláusula pétrea da Constituição - ou seja, não pode ser alterado a não ser que uma nova Carta Magna seja promulgada.
O que disse Zema
Ao Estadão, Zema disse que governadores do Sul e do Sudeste estão se organizando em busca de "protagonismo" político e econômico no Congresso Nacional.
Segundo o governador de Minas, a criação formal do Cossud (Consórcio Sul-Sudeste) tem como objetivo defender a região do que ele define como tratamento privilegiado às demais regiões do país.
"Está sendo criado um fundo para o Nordeste, Centro-Oeste e Norte. Agora, e o Sul e o Sudeste não têm pobreza? Aqui todo mundo vive bem, ninguém tem desemprego, não tem comunidade... Tem, sim", disse o mineiro ao jornal.
"Nós também precisamos de ações sociais. Então Sul e Sudeste vão continuar com a arrecadação muito maior do que recebem de volta? Isso não pode ser intensificado, ano a ano, década a década. Se não você vai cair naquela história, do produtor rural que começa só a dar um tratamento bom para as vaquinhas que produzem pouco e deixa de lado as que estão produzindo muito. Daqui a pouco as que produzem muito vão começar a reclamar o mesmo tratamento. É preciso tratar a todos da mesma forma."
Na entrevista ao jornal paulista, Zema disse ainda que Sul e Sudeste representam "56% dos brasileiros" e "70% da economia do pais", mas agem de maneira desarticulada no Congresso.
"Estados muito menores em termos de economia e população se unem e conseguem votar e aprovar uma série de projetos em Brasília."
"Nós (…), que sempre ficamos cada um por si, olhando só o seu quintal, perdemos", afirmou.
Resposta política
As falas geraram uma onda de críticas de autoridades em todo o espectro político.
À direita, o deputado federal e ex-governador de Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) disse que "infelizmente, o governador Zema, talvez por não ter se expressado da forma adequada, acabou por criar mais problemas que as soluções que busca".
"Sempre precisamos e muitas vezes contamos com alianças com outras regiões, em especial o Nordeste brasileiro. Minas nunca foi antagônica às regiões mais pobres do país, até porque fazemos parte delas, muito menos imaginou liderar esse antagonismo", continuou Neves.
Ex-ministro do Turismo de Jair Bolsonaro, Gilson Machado (PL-PE) disse "repudiar veementemente qualquer fala que sequer ventile a separação de nosso País".
"O Nordeste não é peso para ninguém,o Nordeste é rico", afirmou, endossado pelo ex-chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social) de Bolsonaro, Fabio Wajngarten.
"Parabéns, Gilson. O Brasil é nordestino", escreveu o bolsonarista.
Até o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB-ES), que também faz parte do Cossud, se colocou.
"Sobre a entrevista do Governador Zema (MG) para o jornal Estado de SP, é importante deixar claro que é sua opinião pessoal. O ES participa do Cossud para que ele seja um instrumento de colaboração para o desenvolvimento do Brasil e um canal de diálogo com as demais regiões", disse.
À esquerda, o ministro da Justiça Flavio Dino classificou Zema como "traidor da Constituição é traidor da pátria".
"Absurdo que a extrema-direita esteja fomentando divisões regionais", disse.
Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede-AC), a importância de um Estado não pode ser definida pelo "peso populacional".
"Sem a Amazônia, não tem como ter agricultura, não tem como ter indústria, não tem como o Brasil sequer ter vida no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, porque a ciência diz que seria um deserto igual o deserto do Atacama ou do Saara", disse Silva em suas redes sociais.
"Portanto, não é uma questão de quantidade em termos de peso populacional, é uma questão de trabalharmos com o princípio da justiça ambiental e do PIB dos serviços ecossistêmicos que são gerados por essa região", continuou a ministra.
Em nota assinada pelo governador da Paraíba, João Azevedo (PSB), o Consórcio Nordeste afirmou que Zema cria "um movimento de tensionamento com o Norte e o Nordeste".
"Negando qualquer tipo de lampejo separatista, o Consórcio Nordeste imediatamente anuncia em seu slogan que é uma expressão de 'O Brasil que cresce unido'. Enquanto Norte e Nordeste apostam no fortalecimento do projeto de um Brasil democrático, inclusivo e, portanto, de união e reconstrução, a referida entrevista parece aprofundar a lógica de um país subalterno, dividido e desigual."
Apoio de Eduardo Leite
Até a publicação desta reportagem, a única autoridade de peso a apoiar publicamente as falas de Zema foi o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS).
"Seremos todos mais fortes quanto mais formos um só Brasil. Não acredito que o governador Zema tenha dito nada diferente disso. Se disse, não me representa", escreveu em suas redes sociais.
Leite disse ainda em vídeo: "A gente nunca achou até hoje que os estados do Norte e do Nordeste haviam se unido contra os demais estados do país. Pelo contrário, a união desses estados em torno da pauta que é de interesse comum deles serviu de inspiração para que a gente possa, finalmente, fazer o mesmo. Não tem nada a ver com frente de Estados contra Estados ou região contra região".
Após as criticas, Zema voltou ao tema em suas redes sociais.
"A união do Sul e Sudeste jamais será pra diminuir outras regiões. Não é ser contra ninguém, e sim a favor de somar esforços. Diálogo e gestão são fundamentais pro país ter mais oportunidades. A distorção dos fatos provoca divisão, mas a força do Brasil tá no trabalho em união."