violência

Mãe Bernadete, líder quilombola, é morta a tiros na Bahia

Uma das maiores referências do país para as comunidades negras tradicionais, ela era conhecida pela atuação política. Em julho, reconheceu para presidente do STF, Rosa Weber, o medo de ser assassinada, tal como aconteceu com o filho

Mãe Bernadete cobrava das autoridades a elucidação do assassinato do filho, há seis anos -  (crédito: Reprodução/Redes Sociais)
Mãe Bernadete cobrava das autoridades a elucidação do assassinato do filho, há seis anos - (crédito: Reprodução/Redes Sociais)
Correio Braziliense
postado em 19/08/2023 03:55

Por Raphael Pati*

A líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, foi assassinada com 12 tiros na noite de quinta-feira, no município de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. Um grupo invadiu a casa em que ela morava e fez reféns parentes de Mãe Bernadete, como ela era conhecida, antes de cometer o crime. A motivação pode estar relacionada à atuação em defesa do quilombo e das terras que ocupava.

Em reunião com a presidente do Supremo Tribunal federal (STF), Rosa Weber, em julho, Mãe Bernadete denunciou que as ameaças que ela e os moradores do quilombo sofriam, possivelmente do mesmo grupo criminoso que matou o filho da líder quilombola, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos — o Binho do Quilombo —, em 19 de setembro de 2017. A reunião com a ministra aconteceu na comunidade Quingoma, em Lauro de Freitas, município também da região metropolitana de Salvador.

"Não posso sair, minha casa é toda cercada de câmeras", disse Bernadete no encontro com a ministra, que, por sinal, lembrou da conversa que tiveram.

"Mãe Bernardete, que me falou pessoalmente sobre a violência a que os quilombolas estão expostos, e revelou a dor de perder seu filho com 14 tiros dentro da comunidade, foi morta em circunstâncias ainda inexplicadas", disse a ministra, por meio de nota.

Vida pública

Bernadete foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho, na gestão do prefeito Eduardo Alencar (PSD), entre 2009 e 2016. Em 2017, ela recebeu o título de cidadã do município, concedido pela Câmara de Vereadores. Atualmente, ela estava à frente da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), uma das entidades de maior prestígio entre os quilombolas no país. A ialorixá (mãe de santo na umbanda) também era conhecida pela defesa da cultura popular quilombola.

A Conaq publicou uma nota de pesar pela morte de Mãe Bernadete. Segundo a entidade, ela era uma "pessoa sábia", "uma verdadeira liderança" e que tratava-se de uma "perda irreparável" para todo o movimento de defesa dos direitos humanos. "Mãe Bernadete, agora silenciada, era uma luz brilhante na luta contra a discriminação, o racismo e a marginalização", frisa a nota da Conaq.

A Prefeitura de Simões Filho repudiou "toda violência que atinge sistematicamente a sociedade, ao tempo em que aguardamos das forças policiais a responsabilização daqueles envolvidos nesse ato de crueldade".

O governador Jerônimo Rodrigues cobrou firmeza nas investigações. "Estamos, cada vez mais, fazendo cerco aos grupos criminosos. Nossa ordem é de proteção à vida, independentemente de quem seja, do povo baiano, e do povo que vem visitar a gente. A nossa polícia não vai sair da rua", garantiu.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também lamentou a morte da líder quilombola. "Com pesar e preocupação soube do assassinato de Mãe Bernadete, liderança quilombola assassinada a tiros", publicou. O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, enviou uma comitiva ao local para participar das investigações do assassinato.

Luta por justiça

A líder quilombola também incomodava por cobrar das autoridades uma solução para a morte do filho. Binho do Quilombo tinha 36 anos quando também foi morto a tiros, depois de deixar o filho na escola. Até hoje, o caso está em aberto.

Para Wellington Santos, outro filho de Mãe Bernadete, uma possível omissão da Justiça no caso de Binho teria estimulado os assassinos a se vingarem de sua mãe. "Costumo dizer que quando você não resolve um problema, você ocasiona outro. Se tivesse elucidado o assassinato do meu irmão, em 2017, certamente isso (o assassinato de Mãe Bernadete) não ocorreria. Mas eles ficaram impunes e se acharam no direito de fazer de novo", afirmou. (Com Agência Estado)

* Estagiário sob a supervisão de Fabio Grecchi

 

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores.