Obituário

Léa Garcia: além de mestra, referência na dramaturgia brasileira

Uma das grandes damas dos palcos e das telas, ela morreu aos 90 anos horas antes de ser homenageada no Festival de Gramado pela obra que legou. Foi, também, uma desbravadora para atores e atrizes negros

Em Escrava Isaura, Léa se consagrou, mas foi vítima do racismo nas ruas -  (crédito: Acervo/Globo)
Em Escrava Isaura, Léa se consagrou, mas foi vítima do racismo nas ruas - (crédito: Acervo/Globo)
Luana Patriolino
postado em 16/08/2023 03:55 / atualizado em 16/08/2023 06:40

Léa Garcia, uma das grandes atrizes brasileiras, morreu, ontem, aos 90 anos, horas antes de receber o Troféu Oscarito, na 51ª edição do Festival de Cinema de Gramado (RS). Carioca, ela fez parte de uma geração de artistas negras que marcaram a dramaturgia do país — junto com Ruth de Souza, Zeni Pereira, Chica Xavier e Lourdes de Oliveira — e de ativistas que mostraram a influência africana na cultura do país — como o ator, escritor, dramaturgo, professor universitário e político Abdias do Nascimento, com quem foi casada. Foram 70 anos de carreira.

Léa chegou no último sábado a Gramado para receber o troféu pela trajetória que construiu nos palcos e nas telas de cinema e da tevê. Mas sentiu-se mal no hotel onde estava hospedada. Chegou a ser levada ao Hospital São Miguel Arcanjo, em Gramado, mas não resistiu — a causa da morte foi um infarto agudo no miocárdio.

"Léa Garcia possuía uma história antiga com Gramado, conquistando quatro Kikitos com Filhas do Vento, Hoje tem Ragu e Acalanto. Aos 90 anos, era dona de um currículo com mais de 100 produções, incluindo cinema, teatro e televisão", lembrou a organização do festival.

Nascida na Praça Mauá, na confluência do Centro com a zona portuária do Rio de Janeiro, a atriz esteve na linha de frente na luta pela visibilidade e inclusão da mulher negra na cinematografia brasileira. A estreia nos palcos foi aos 19 anos, em 1952, na peça Rapsódia negra, de Abdias do Nascimento.

Léa foi atuante no teatro que fazia do afro-brasileiro o protagonista das peças. Foi por causa das atuações contundentes que tornou-se um dos principais personagens do filme Orfeu Negro, do francês Marcel Camus, com base na peça Orfeu do Carnaval, de Vinícius de Moraes — de cujo elenco ela fez parte. Foi indicada ao prêmio de melhor interpretação feminina no Festival de Cannes de 1957 — a película ítalo-franco-brasileira ganharia, em 1960, o Oscar de melhor filme estrangeiro.

A atriz contabilizava mais de 100 produções no currículo. Léa foi, ainda, roteirista e adaptou para as telas textos de autores negros, como Cidinha da Silva, Luiz Silva Cuti e Muniz Sodré. Na tevê, marcou época com a personagem Rosa — antagonista da atriz Lucélia Santos da novela Escrava Isaura, em 1976. O trabalho que a consagrou na teledramaturgia foi, também, um dos que mais lhe trouxe problemas com o racismo, pois passou a ser hostilizada nas ruas por conta do personagem.

Tributo

A homenagem em Gramado foi entregue ao filho e empresário de Léa, Marcelo Garcia, horas depois da morte da atriz. Ela ganharia a honraria com a colega Laura Cardoso, cuja homenagem será amanhã.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou a trajetória de Léa como pioneira no enfrentamento do racismo e na abertura de espaços para atrizes negras. "Ao longo de seis décadas, iluminou nossas telas em mais de 70 filmes e novelas, e também teve um papel muito importante como incentivadora para seguidas gerações de artistas negros na nossa cultura", publicou.

A atriz Zezé Motta, uma de suas discípulas, ressaltou que Léa foi uma inspiração. "Quando pensava em ser artista, olhava para a Léa Garcia no cinema e pensava: 'Mas se ela conseguiu, eu também posso…' É difícil, sabemos todos que a morte é um processo da vida. Mas nunca estamos prontos para nenhum tipo de perda", lamentou.

A deputada federal Erika Hilton (PSol-SP) lembrou que Léa "nos deixa um legado imenso e uma história dedicada à arte, entrelaçada a movimentos sociais, intelectuais, e à luta antirracista".

A ministra da Cultura, Margareth Menezes, ressaltou que Léa "foi inspiração e representatividade para uma legião que festejou muito sua carreira em papéis memoráveis e marcantes da nossa história". Já a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, destacou a luta antirracista da atriz. "Foi do Teatro Experimental do Negro, da luta antirracista. O Brasil agradece, Léa. Nosso povo vai seguir firme também por você", afirmou.

 

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