Lisboa — O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acatou denúncia do Ministério Público contra Luiz Eduardo Auricchio Bottura, considerado um dos maiores golpistas do Brasil e um dos principais litigantes da Justiça com o intuito de tumultuar os processos e evitar possíveis condenações. Ele, que tem negócios em Portugal, é acusado de chefiar uma organização criminosa, que inclui o pai dele, Luiz Célio Bottura, a mãe, Maria Alice Auricchio Bottura, a mulher, Raquel Fernanda de Oliveira, e seus advogados. A Justiça identificou mais de 500 vítimas do grupo, lesadas em milhões de reais desde 2007. Eles negam as acusações.
O Ministério Público recorre a um inquérito policial aberto em 27 de outubro de 2021 para descrever Bottura, apontado como “serial litigante”. Segundo o documento ao qual o Correio teve acesso, ele e seus comparsas são apontados como experts em falsidade ideológica, fraude processual, corrupção ativa e coação no curso do processo. A organização criminosa, inclusive, seria especialista em corromper servidores do Judiciário e até juízes. “Conforme apurado, Luiz Eduardo Bottura seria o líder da empreitada criminosa, sendo verificado que se trata de litigante serial, agindo com auxílio e participação de amigos, parentes, advogados e agentes públicos, dando ensejo à instauração de ações judiciais e ações extrajudiciais.”
O MP ressalta que as investigações identificaram que os “os denunciados, imbuídos de intenção criminosa, formaram organização criminosa dedicada à prática de crimes contra a fé pública, a administração da Justiça e a administração pública”. Diz ainda que a atuação da organização criminosa consistia em criar “tumulto processual e procedimental e assédio judicial, definido como abuso do acesso à Justiça, quer pelo ajuizamento de diversas ações e ou remédios processuais sobre um mesmo fato ou contra uma mesma pessoa, com o intuito de prejudicá-la, quer perpetrando atos meramente tumultuários ou protelatórios, consubstanciando-se em verdadeira litigância de má-fé”.
Juíza comparsa
A primeira notícia crime contra o facção liderada por Bottura ocorreu entre 2007 e 2008, em Anaurilândia, Mato Grosso do Sul. À época, o esquema de golpes contava com a proteção da juíza Margarida Elisabeth Weiler, que foi aposentada compulsoriamente. Dos 600 processos que tramitavam na Comarca na qual a juíza atuava, um quarto havia sido ajuizado pelo empresário golpista. “Constatou-se, no acórdão que aposentou compulsoriamente a referida magistrada, que, além de tentar tirar proveito econômico, (Bottura e Margarida) passaram a se utilizar do processo judicial como instrumento de vingança pessoal, passando atacar pessoas, em especial advogados”.
O Ministério Público assinala, ainda, que, por causa da falsificação de documentos, Bottura chegou a ter a prisão preventiva decretada em 15 de janeiro de 2009, mas revogada 14 dias depois. A ameaça de ir para atrás das grandes não intimidava o golpista, de acordo com o Ministério Público. Na Bahia, ele induziu um servidor do Judiciário, demitido depois, a atestar falsamente a seu favor em vários processos. Em agosto de 2011, a fim de obter vantagens financeiras ilícitas, Bottura forjou a citação de uma de suas vítimas, Leonardo Pinheiro Gasparin, numa ação de R$ 13 milhões. Foi o que se chamou de “golpe da revelia”. Ele e o advogado Artur Abumansur de Carvalho passaram a cobrar comissões sobre o processo.
Em outra investida criminosa, Borttura apresentou documento falso num processo de arbitragem do qual ele participava como litigante e conseguiu sentença favorável de R$ 100 milhões contra a empresa BNE Administração de Imóveis, de Adalberto Bueno Neto. Em junho de 2017, foi instaurado um inquérito policial contra Bottura, o pai dele, a secretária da comissão arbitral e os árbitros que votaram a favor dele. Todos foram indiciados por corrupção ativa e passiva, coação no curso do processo e fraude.
Viúva perde tudo
Outro golpe de chamou a atenção do MP teve como vítima a dona de casa Maria Matuzenetz. Ao ficar viúva do companheiro Plínio Zurdo Martinez, morto em outubro de 2018, ela comentou com sua psicóloga, Maria Alice Aurichio Bottura, que teria direito a receber mais de R$ 8 milhões como herança de um plano de previdência. A psicóloga, mãe de Bottura, indicou o filho para administrar o dinheiro da paciente, a qual atendia havia 18 anos. Desde então, Maria nunca mais viu a sua fortuna e, para sobreviver, passou a vender potes de mel nas ruas.
O esquema liderado por Bottura consiste, também, em difamar pessoas que pudessem ser entraves para os crimes. Uma das vítimas da organização foi o desembargador Alexandre Alves Lazzarini, a fim de retirá-lo da frente de vários processos. “Há afirmações acerca da atuação conjunta desses agentes, de forma coordenada, com uso dos meios processuais como ferramenta de assédio judicial para ameaçar, com acusações infundadas, objetivando afastar julgadores com posicionamentos contrários aos seus interesses e com a utilização do expediente de má-fé”, destaca o Ministério Público.
Procurado pelo Correio, Bottura diz que não há nenhuma condenação contra ele. Afirma que há um processo em andamento no Tribunal de Justiça de São Paulo, que está em curso. No julgamento, foram dados dois votos contra ele e um a favor. “Esses votos são, obrigatoriamente, sujeitos à revisão por embargos de divergência, quando cinco desembargadores vão votar. E, mesmo que se mantenha o voto vencedor, a pena está prescrita: logo, não há prisão ou crime”, garante.
Bottura se diz vítima de “perseguição judicial e fake news, com mais de 50 denúncias recebidas em 16 anos de massacre”. Ressalta que “nenhuma (das denúncias) foi procedente e, se um dia, existir uma condenação válida (não prescrita ou sujeita a revisão ordinária), se poderá” imputar um crime a ele. “Sou réu primário, não possuo qualquer condenação, e as pessoas que me ofenderam foram condenadas em mais de 100 processos. Eu, em nenhum”, frisa.
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