Meio ambiente

Em contraste com a Amazônia, o Cerrado demanda estratégia de preservação

Enquanto a floresta tropical registrou queda no desmatamento, segundo dados oficiais, o bioma sofre com o avanço indiscriminado da fronteira agrícola

Isabel Dourado*
Henrique Fregonasse*
postado em 05/08/2023 03:55
Parque Nacional de Brasília: DF e Goiás respondem por 4% do desmatamento no Cerrado -  (crédito: Divulgação/ICMBio)
Parque Nacional de Brasília: DF e Goiás respondem por 4% do desmatamento no Cerrado - (crédito: Divulgação/ICMBio)

O mundo está com os olhos voltados para a Amazônia, tema da Cúpula de Belém nos próximos dias. Mas, paralelamente à floresta ao norte do país, existe outro bioma a enfrentar graves agressões ambientais. De acordo com dados oficiais divulgados na quinta-feira, o Cerrado está na contramão da preservação ambiental. Pelo contrário: o desmatamento cresce em velocidade crescente.

De acordo com o WWF Brasil, o Cerrado já perdeu mais de 50% da cobertura vegetal nativa. O bioma abriga aproximadamente 25 milhões de pessoas, 80 etnias indígenas e diversas comunidades quilombolas.

Ao comentar a devastação do Cerrado, a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, ressaltou as dificuldades de combater a destruição ambiental. "Temos uma situação que é complexa (no Cerrado) em função da incidência de desmatamento com autorização (dos estados). O Ibama pode atuar nas áreas com ilegalidade comprovada ou suspeita muito evidente de ilegalidade", afirmou a ministra.

De janeiro a julho de 2023, o desmatamento no Cerrado aumentou 21,7% na comparação com o mesmo período de 2022. Este ano, a destruição atingiu 6,359 mil km², superando o recorde do ano passado. Em 2022, os sistemas de monitoramento registraram o segundo pior índice de desmatamento desde que o sistema foi lançado no Cerrado e o pior dos últimos três anos.

A "situação complexa" descrita por Marina passa pela legislação. De acordo com o Código Florestal, propriedades privadas no Cerrado podem desmatar após autorização dos órgão ambientais competentes, áreas maiores do que é permitido na Amazônia. A ministra do Meio Ambiente lembrou a diferença do bioma da Amazônia e do Cerrado. Ela propôs que haja uma revisão no caso do Cerrado.

"No caso do Cerrado, há quase que uma acomodação, porque pode explorar (por lei) 80% (da floresta). Então a ciência precisa dizer qual a base de sustentação e a base de suporte (da exploração) do bioma", comentou.

Professor adjunto do departamento de Geografia da Universidade de Brasília (UnB), José Sobreiro Filho afirma haver tratamentos diferentes para o Cerrado e a Amazônia. "Enquanto há uma política que consegue comover o mundo para a Amazônia, uma vez que as pessoas se compadecem mais por ela do que por qualquer outro bioma, o Cerrado não vive a mesma realidade", compara. "Ele tem sido historicamente interpretado, pelos governos do PT, como a área que será sacrificada para que a gente possa preservar a Amazônia e não levar essa expansão da fronteira agrícola para lá", acredita o professor.

Devastação recorde

Com sucessivos recordes de desmatamento nos primeiros cinco meses deste ano, a destruição no bioma teve um aumento de 35% em relação ao mesmo período do ano anterior, quando já havia sido registrado um desmatamento de 2,612 km².

Os dados do Deter sobre o desmatamento no Cerrado no primeiro semestre, divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram que a região do Matopiba — acrônimo que engloba as siglas dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia —, é responsável por 81% da área desmatada do bioma.

O estado da Bahia lidera a lista, com uma área devastada de 124.667 hectares, representando 28% do total. Maranhão vem em segundo lugar, com 99.827 hectares, representando 23%; seguido de Tocantins, com 78.965 hectares, representando 18%; e do Piauí, com 53.354 hectares, equivalente a 12%.

Segundo o professor José Sobreiro Filho, a concentração do desmatamento na região da Matopiba faz parte de uma política mais ampla de estímulo ao agronegócio no Cerrado.

"Podemos verificar que há um foco. O desmatamento não está distribuído aleatoriamente por todo o Cerrado, pois nós verificamos uma concentração muito maior numa área denominada como Matopiba. Essa área faz parte de uma política mais ampla de estímulo ao avanço do agronegócio no Cerrado, focando sobretudo no Maranhão, Tocantins, Piauí e no oeste da Bahia", observa o especialista. "Se verificarmos, algumas cidades destaque estão sobretudo localizadas nessas áreas, pois são áreas de expansão do capital", explica o professor.

Os dez municípios com maiores áreas desmatadas no Cerrado de janeiro a julho de 2023, que somam 31% da área total devastada do bioma, fazem parte do Matopiba. Seis deles — incluindo os dois primeiros — são municípios baianos, enquanto dois se localizam no Maranhão e dois no Piauí.

O município de São Desidério (BA) encabeça a lista, com 303.63 km² devastados, o que equivale a 6,05% da área total do bioma. Em segundo lugar vem o município de Jaborandi (BA), com 196.16 km², seguido por Balsas (MA), com 183.48 km², Cocos (BA), com 172.54 km², Barreiras (BA), com 155.56 km², Correntina (BA), com 145.31 km², Baixa Grande do Ribeiro (PI), com 116.48 km², Sebastião Leal (PI), com 105.51 km², Mirador (MA), com 103.91 km² e Santa Rita de Cássia (BA), com 84.88 km² de área devastada.

Recuperar o bioma

Sobreiro Filho acredita que é necessário desenvolver uma política que integre a produção agrícola e a sustentabilidade. "O Brasil toma medidas muito equivocadas no sentido de tentar promover uma política agrária separada de uma política ambiental. Na Amazônia, há lógicas extrativistas muito potentes, assim como em boa parte do Cerrado. Precisamos começar a olhar para esta realidade do Cerrado como um grande desafio que o governo terá de resolver", explica.

Para a ministra Marina Silva a preservação exige uma estratégia mais trabalhada e articulada no âmbito do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado. "Esse incremento que tivemos requer da gente uma estratégia no âmbito do PPCerrado bem mais articulada. A dinâmica da destruição do Cerrado está propiciando imensos prejuízos ambientais, mas também econômicos e sociais", afirmou Marina Silva.

De acordo com a pasta da Ministra Marina Silva, a quarta fase do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado (PPCerrado) deve ser lançada em outubro deste ano. Os planos do governo para frear a destruição do Cerrado envolvem o embargo de áreas derrubadas por meio do alerta de satélites, o aperto da fiscalização, a integração das bases de dados dos Estados e o incentivo econômico.

Na avaliação da WWF Brasil, a situação no bioma é crítica, já que a proteção ambiental é mais frágil do que na Amazônia. A Ong aponta que além do PPCerrado, é fundamental que haja um maior compromisso dos estados na região do Matopiba para reverter o quadro da destruição ambiental no Cerrado. "O bioma é a grande caixa d'água do Brasil, e a perda de sua cobertura vegetal terá impactos severos na produção agrícola e abastecimento de grandes centros urbanos", aponta a WWF Brasil.

*Estagiários sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza


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