Violência

Rosa Weber sobre legítima defesa da honra: sem espaço para "costumes medievais"

Dez ministros do Supremo rejeitam a tese adotada por advogados que pedem atenuantes a assassinos de mulheres alegando "legítima defesa da honra"

Renato Souza
postado em 02/08/2023 03:55
Presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber -  (crédito: TSE)
Presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber - (crédito: TSE)

O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, ontem, por unanimidade entre os integrantes do plenário da corte, a tese de legítima defesa da honra. Em julgamento na sessão que marcou o retorno do recesso no Poder Judiciário, os magistrados entenderam que é inaceitável que feminicidas, ou seja, homens que matam mulheres com as quais convivem ou tem alguma ligação familiar, sejam absolvidos de seus crimes,

A tese de legítima defesa era usada para impedir a punição de feminicidas que alegavam traição por parte das companheiras ou outras justificativas semelhantes para justificar seus crimes. Todos os 10 ministros que integram o plenário votaram contra o uso deste tipo de dispositivo. O ministro Cristiano Zanin, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aprovado pelo Senado, toma posse amanhã e, portanto, não pode votar neste caso.

A ministra Cármen Lúcia afirmou que a tese de legítima defesa da honra é fruto do machismo e da violência de gênero, que aumentou no país. "Uma mulher é violentada a cada quatro minutos. A violência contra mulher na pandemia aumentou ensandecidamente, temos que provar que não somos parecidas com humanos, mas somos humanos", disse.

A magistrada continuou: "É preciso que isso seja extirpado inteiramente. Mais que uma questão de constitucionalidade, que tem como base a dignidade humana, estamos falando de dignidade no sentido próprio, subjetivo e concreto de uma sociedade que ainda hoje é sexista, machista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são: mulheres donas de suas vidas".

A presidente da STF, Rosa Weber, também manifestou um voto contundente. "Não há espaço no contexto de uma sociedade democrática, livre, justa e solidária, fundada no primado da dignidade da pessoa humana, para a restauração de costumes medievais e desumanos do passado, pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso por causa de uma ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina", afirmou.

Com a decisão dos ministros, este tipo de alegação não poderá mais ser usado, seja na fase pré-processual, seja no Tribunal do Júri. O relator do caso, ministro Dias Toffoli, votou em junho, quando a corte formou maioria pela derrubada da tese. Toffoli afirmou que o ataque a mulher por conta de adultério não está incluído nos requisitos de excludente de ilicitude.

Ângela Diniz

O tema ganhou o debate público em 1976, quando a socialite Ângela Diniz foi assassinada pelo então marido, Raul Fernando Doca, no Rio de Janeiro. Ele matou Ângela com quatro tiros. O assassino passou uma semana foragido, quando se entregou. Durante o julgamento, ele alegou que agiu em legítima defesa da honra. Foi condenado a dois anos, mas como já tinha passado um terço do tempo preso, saiu livre do tribunal, causando revolta na população.

Um dos que protestaram sobre o caso foi o poeta Carlos Drummond de Andrade. "Aquela moça continua sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras", afirmou. Doca foi julgado novamente em 1981, quando foi condenado a 15 anos de prisão, ficando apenas três em regime fechado.

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