Eventos extremos, como enchentes, secas, ciclones, queimadas e alagamentos impactaram milhares de brasileiros este ano. As tragédias, muitas vezes inevitáveis, são consequência da destruição ambiental e da emissão de carbono na atmosfera. O ciclone extratropical que atingiu os estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina no último mês de junho ceifou a vida de 16 pessoas. Esta semana, mais uma vez o vendaval tem afetado essas regiões, ocasionando três mortes, além de perdas materiais.
Especialistas têm alertado que futuramente os eventos extremos que devastam os lugares por onde passam vão assumir magnitude ainda maior, além de se tornarem cada vez mais frequentes. Os estudiosos citam, como justificativa para tal agravamento, os últimos relatórios de mudança climática do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Os estudos detalham as consequências devastadoras do aumento das emissões de gases do efeito estufa (GEE) e as ameaças enfrentadas atualmente.
O geógrafo e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) João Lima Sant'Anna Neto alerta para essas consequências. "A tendência tem sido que os fenômenos fiquem cada vez mais fortes, exatamente por causa do aquecimento. A humanidade optou pelo uso do combustível fóssil, e o aquecimento global se dá principalmente pela emissão de gases estufa, mas também temos que olhar para o desmatamento. A tendência é que esses fenômenos sejam mais fortes e passem a atingir mais pessoas, exatamente porque a humanidade triplicou e ocupa mais espaços", detalha.
A professora do departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Nubia Armond explica que atualmente há cada vez mais recursos para investigar os eventos extremos ao redor do mundo e traçar uma relação da frequência dos eventos com as mudanças climáticas. "O que a gente tem visto é que mais de 80% dos eventos estudados têm influência da mudança climática, seja na sua magnitude seja na diminuição do intervalo de ocorrência deles", afirma Nubia.
Entre os fatores que influenciarão na intensidade dos fenômenos, o aumento das temperaturas será determinante. "Haverá diminuição de chuvas em algumas áreas e aumento em outras, o que gera uma heterogeneidade na ocorrência dos eventos extremos. Em alguns lugares tem o aumento de estiagem e seca, mas a projeção é que em algumas áreas ocorra precipitação", resume a pesquisadora.
Planejamento urbano
A organização da cidade de forma a evitar desastres ambientais poderia ser uma estratégia adotada no Brasil. O professor do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Paulo César Zangalli chama atenção para este fator. "A gente deveria ter compreendido os eventos extremos na própria formulação e planejamento dos espaços onde a gente vive. Quando as cidades foram desenvolvidas, não se pensou na resolução desse problema urbano vivenciado desde a década de 1970", destaca.
O professor da Unesp João Lima endossa a afirmação de Zangalli, e exemplifica que cidades com menos árvores costumam sofrer de forma mais violenta com enchentes. "As cidades onde as pessoas têm vivido não tem infraestrutura necessária para minimizar o impacto desses efeitos extremos. Todos esses córregos, rios, foram canalizados, pensando no volume de água. Se há um aumento da precipitação das chuvas com a impermeabilidade das cidades, vai ter muito mais água correndo para esses lugares que não têm a capacidade de vazão, então as enchentes vão ser cada vez mais frequentes e maiores. Isso não tem só a ver com a mudança climática, mas tem a ver com a forma que a gente tem produzido o espaço urbano", explica Lima.
Recorte social
Outro problema perverso das mudanças climáticas é que a população pobre costuma ser mais atingida. Isso ocorre porque, na maioria das vezes, ocupa áreas geograficamente mais expostas. Nubia cita esse como um dos elementos que configuram a vulnerabilidade.
"Para promover estruturas socioespaciais adaptadas, a gente precisa de políticas públicas. Sabemos que populações de grupos sociais mais vulneráveis socioeconomicamente têm a tendência de sofrer esses impactos de eventos extremos de maneira mais significativa", enfatiza.
Há ainda o desafio de se reconstruir a vida após as perdas materiais, que são mais impactantes para as classes mais baixas. A solução, na visão da pesquisadora, é o direcionamento estratégico das políticas públicas para essa parcela da população. "A tragédia na região serrana do Rio de Janeiro em 2011 é um exemplo muito ilustrativo disso, tem gente que estava esperando receber o aluguel social até dois anos atrás. O conjunto de políticas públicas precisa estar muito direcionado para esses grupos porque têm dificuldades, quando sobrevivem, de seguir em diante".
Com a intensificação dos problemas ambientais e climáticos, a adaptação às mudanças se tornou uma necessidade. De acordo com o relatório do IPCC, políticas climáticas em pelo menos 170 países incluem a adaptação a esses riscos. Entretanto, em vários países, esses esforços ainda precisam progredir para a implementação. Medidas para construir resiliência e adaptação ainda estão mais focadas em impactos imediatos e riscos de curto prazo.
O relatório do IPCC apontou ainda que, os países em desenvolvimento, sozinhos, precisarão de US$ 127 bilhões por ano até 2030 e de US$ 295 bilhões por ano até 2050 para se adaptar às mudanças no clima. Os fundos de adaptação, no entanto, chegaram apenas a US$ 23 bilhões em 2017 e US$ 46 bilhões em 2018, representando apenas 4% e 8% do financiamento climático.
Futuro
O último relatório do IPCC não deixa dúvidas sobre a dimensão dos riscos se não houver mudanças significativas para combater a crise climática. Educação ambiental e a formulação de políticas públicas são dois fatores citados pelos especialistas como urgentes e necessários para que o Brasil esteja preparado para lidar com os eventos extremos no futuro.
"Nós estamos muito atrasados neste sentido, e não estamos preocupados em educar as novas gerações que estão chegando para enfrentar esse tipo de problema. Esse realmente é um caso muito grave, muito sério. Nos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, Japão, a educação ambiental e as mudanças climáticas já fazem parte dos currículos escolares há muito tempo", ressaltou João Lima.
Zangalli cita que o Brasil precisa investir e subsidiar pesquisas que proporcionem condições adequadas para que haja um monitoramento e prevenção de eventos extremos. "Isso são medidas pontuais, não resolve o problema, apenas atenua. Em dinâmicas estruturais, é preciso mudar a forma como a gente pensa as cidades. As políticas de ação climática que as capitais brasileiras têm produzido são um indicativo de como as políticas climáticas hoje são elementos de ordenamento e de produção do espaço urbano. O problema é que hoje elas são mais aderentes aos tratados internacionais do que à sua própria realidade", alerta.
*Estagiária sob supervisão de Taísa Medeiros