DIREITOS TRABALHISTAS

Demissão por ter conta em plataforma adulta é legal? Especialistas explicam

O Correio conversou com especialistas na área do direito para entender sobre a existência de normas práticas sobre o assunto

Redes sociais com conteúdo adulto têm recebido cada vez mais destaque com a participação de celebridades e a promessa de ganhar um (bom) dinheiro extra. Não é incomum que cada vez mais pessoas entram nas plataformas do gênero, mas se questionam se o trabalho atual pode ser afetado pela exposição da nudez.

Criada em 2016, a plataforma OnlyFans rapidamente ganhou popularidade e ficou conhecida mundialmente— de forma especial no auge da pandemia, em 2020 — atraindo até mesmo famosos. A rede funciona como um clube de assinatura e é conhecida pela propagação de conteúdo adulto e não censurado.

Apesar da fama, a OnlyFans não é a única plataforma com participação expressiva nos dias atuais. Marcas como Privacy, Just For Fans, Fansly e Loyal Fans já se tornaram conhecidas tanto pelos influencers que publicam conteúdos eróticos, quanto pelos fãs que "consomem" o trabalho.

A popularidade das plataformas se traduz em cifras astronômicas. Os dados não são tão recentes, mas em 2021, durante um balanço financeiro, só a OnlyFans anunciou publicamente uma receita de quase US$ 1 bilhão (exatos US$ 932 milhões). O montante passa de R$ 4,8 bilhões.

Vale lembrar que os ganhos das plataformas são uma porcentagem do montante arrecado por cada influencer. Ainda segundo dados de 2021 da OnlyFans, os criadores somaram US$ 4 bilhões de ganhos. Um crescimento 115% maior que em 2020.

Mas e ai, posso (tentar) ficar rico sem ser demitido?

O advogado trabalhista, Fernando Paiva, explica que em geral, a vida privada de um empregado é protegida por leis de privacidade e não deve ser motivo para demissão, a menos que afete diretamente o desempenho do trabalho ou a imagem da empresa. “A linha entre a vida privada e a vida profissional pode ser tênue, especialmente quando a atividade privada é realizada em uma plataforma pública, como o OnlyFans”, ressalta. Paiva também salienta que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) não aborda especificamente a participação de um trabalhador em plataformas adultas.

Tomaz Nina, advogado especializado em justiça do trabalho, sócio da Advocacia Maciel, entende que “no caso do OnlyFans, o simples fato de possuir conta não acarreta automaticamente a demissão do seu emprego. A partir do momento (em) que se é contratado por determinada empresa ou pessoa estarão atreladas condutas profissionais, que, a depender do caso, refletiram de maneira positiva ou negativa no empregador, existindo consequências legais para possíveis ofensas”.

Segundo os advogados, a participação em plataformas adultas e o direito ao emprego é complexa e sem uma resposta clara, sendo que muitos casos costumam caber a interpretação das empresas e de um juiz (se o caso chegar aos tribunais). É uma área que desafia as normas tradicionais e exige uma nova abordagem para equilibrar os direitos de privacidade dos empregados com as necessidades das empresas em um ambiente de trabalho tão interligado às redes sociais.

Exclusividade ao trabalho ou ao OnlyFans?

Os advogados ouvidos pela reportagem também explicam que receber remuneração por plataformas adultas não necessariamente significa quebra da exclusividade no trabalho — como algumas empresas exigem dos funcionários. Camilo Onoda Caldas, advogado trabalhista sócio da Gomes Almeida e Caldas, entende que as plataformas adultas não se enquadram no caso. "Nem é a questão da exclusividade porque geralmente o trabalho que a pessoa vai fazer não costuma ser o mesmo tipo de trabalho que a pessoa faz na plataforma do OnlyFans, pois costuma ser um trabalho paralelo".

“A pessoa tem um emprego comum e também tem uma conta no OnlyFans. O problema não seria da exclusividade, já que não haveria uma concorrência indevida porque são trabalho diferentes e também não haveria um tipo de de atividade conflitando tempo no horário com o seu emprego regular. O problema é que no caso da pessoa ter a conta, dependendo da notoriedade que ela tem, dependendo dos acessos que ela tem, isso pode interferir na imagem da empresa, o que justificaria o desligamento da pessoa e a depender do trabalho, das condições que foram estabelecidas previamente até a demissão por justa causa”, detalha Caldas.

Fui demitido, e agora? Recursos judiciais possíveis 

Camilo sinaliza que se a demissão foi feita de maneira abusiva o trabalhador pode recorrer a Justiça Trabalhista. "Suponha que a pessoa tem uma conta no OnlyFans, publica conteúdo íntimo, mas ela não se identifica. Então, ela coloca determinados conteúdos, mas não é possível identificar que ela é aquela pessoa, portanto, não expõe a imagem da empresa de nenhuma maneira. Mas por alguma razão a empresa descobre que a pessoa tem essa conta e por um moralismo puro e simples, decide demitir a pessoa por justa causa. Nesse caso, seria a indevida demissão por justa causa, porque aquilo que a pessoa está fazendo na plataforma não está afetando a imagem da empresa.”

Tomaz Nina também completa que a demissão sem justa causa não precisa, em regra, de motivação ou justificativa. Contudo, o advogado faz uma ressalva: "No caso da dispensa por justa causa, prevista no artigo 482 da CLT, que traz o rol de hipóteses de dispensa dessa modalidade, a depender do caso sob análise, poderia, sim, ser aplicada a justa causa para o empregado ou empregada que possui conta no OnlyFans ou em outra rede social com esse conteúdo, já que, em situações específicas seria possível vislumbrar potencial ofensa à honra ou da boa fama em postagem feita pelo empregado, a qual poderia atingir negativamente àquela empresa".

Na mesma linha, Paiva acrescenta a possibilidade do trabalhador poder recorrer na justiça. "Se um empregado for demitido por participar de uma plataforma adulta, ele pode recorrer à justiça para reverter a demissão. No Brasil, o empregado poderia alegar que a demissão foi injusta e violou seus direitos de privacidade. No entanto, o sucesso de tal recurso dependerá da interpretação do juiz e das circunstâncias específicas do caso".

Ainda está inseguro? Casos nacionais e internacionais ilustram a situação

No Brasil, não existem casos famosos e específicos que envolvam a demissão de empregados por participação em plataformas adultas. No entanto, há casos relacionados à demissão por comportamento fora do local de trabalho que podem fornecer algum direcionamento, principalmente para a justiça.

Fernando Paiva relembra um caso de 2017, envolvendo um empregado que foi demitido por justa causa após postar comentários ofensivos sobre o patrão nas redes sociais. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve a demissão, argumentando que o comportamento do empregado era incompatível com a continuação do emprego. “Este caso sugere que, se a atividade de um empregado em uma plataforma adulta for vista como prejudicial à imagem da empresa, a empresa pode ter motivos para demitir o empregado.”

Já no exterior existem casos explícitos de empregados que foram demitidos por participação em plataformas adultas. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma professora de uma escola católica na Califórnia foi demitida em 2020 depois da descoberta de que ela estava ganhando dinheiro extra como modelo adulta on-line. A escola argumentou que o comportamento estava em "desacordo com os valores que a escola promove".

“Esses casos ilustram que a demissão de empregados por participação em plataformas adultas é uma questão real que está sendo enfrentada por empregadores e tribunais em todo o mundo. No entanto, a falta de legislação clara sobre o assunto significa que o resultado desses casos pode variar amplamente, dependendo da localização e das circunstâncias específicas”, concluiu Paiva.

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