Lisboa — A necessidade de regulação das redes sociais no Brasil se tornou um consenso, independentemente da ideologia, e a questão, agora, não é se vai haver controle, mas quando e como, diz o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso.
Para ele, nos casos de crimes de pedofilia, de incentivo à violência contra mulheres e minorias, de ataques à democracia e de propagação de atos terroristas ou de vendas de armas de uso restrito, não haverá sequer necessidade de impor limites, ou seja, as plataformas digitais não devem nem esperar por mandados judiciais para remover mensagens com tais conteúdos.
"Acho que todas as pessoas de bom senso, independentemente de serem conservadoras, liberais ou progressistas, têm de convir que não pode pedofilia nas redes, não pode terrorismo, não pode vender armas restritas, não pode violência contra mulheres nem ataques à democracia. Portanto, é uma questão de colocar isso no papel, ter uma regulação que é muito melhor do que deixar o Judiciário operando sem uma bússola normativa", diz.
Segundo Barroso, muito da dificuldade de se impor limites às big techs no Brasil tem a ver com a extrema polarização política, que tira a racionalidade dos argumentos e opta-se pela escolha de um lado, quando, na verdade, o assunto exige bom senso e consenso.
As maiores beneficiadas por esse descompasso e pela radicalização são as grandes empresas de tecnologia, que só se movem, ainda que com muita resistência, quando são acionadas pelos tribunais. Na avaliação de Barroso, já era para as plataformas terem se autorregulado a ponto de não esperarem por decisões judiciais para agir em casos de crimes.
É esse comportamento leniente que estimula absurdos como o visto nesta semana em Brasília, quando um homem de 42 anos, Daniel Moraes Bittar, sequestrou e estuprou uma menina de 12 anos e, certamente, filmou tudo com o intuito de depois difundir as imagens pela internet. Há um comércio gigantesco de pedofilia nas profundezas das redes, sem que as big techs façam nada para coibi-lo.
A urgência em se colocar um freio no que se dissemina pelas redes sociais também é consenso na visão do ministro Gilmar Mendes, decano da Suprema Corte. "É preciso limitar os poderes das big techs. Essa é uma batalha fundamental, da qual não podemos abrir mão", ressalta. Ele diz não ter dúvidas de que, com o descaso das plataformas, as redes sociais se tornaram campos férteis para o extremismo, exercido por populistas, e crimes como o de pedofilia.
"Por mais que o Supremo avance nas decisões sobre o Marco Civil da Internet — o processo está em andamento —, será preciso que o parlamento complemente a regulação. O que não pode é as redes sociais atuarem sem limites, inclusive na disseminação de fake news", acrescenta. "O Estado está atrasado na regulação das redes. É preciso avançar nessa questão", frisa.
Guerra no Congresso
Na opinião de Gilmar Mendes, a boa notícia é que há uma disposição clara do Congresso em levar adiante a discussão sobre o controle das big techs. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cobra urgência na votação do Projeto de Lei 2.630, das Fake News, na Câmara dos Deputados. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), assegura que a análise da proposta será prioridade no segundo semestre, quando os deputados retornarem do recesso parlamentar.
Relator do projeto, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) garante que seu parecer está praticamente pronto, dependendo apenas de definição sobre a quem caberá fiscalizar o acompanhamento das regras que serão sacramentadas pelo Legislativo.
Barroso acredita ser relativamente fácil estabelecer critérios para o que seja liberdade de expressão no sentido puro e o que seja o oposto disso. "Nos casos duvidosos, leva-se para o Judiciário, que decide. No Brasil, precisamos voltar a construir pontes em vez de muros", assinala, ressaltando, porém, ser contra a criação de um órgão estatal, governamental, para o controle de qualquer tipo de conteúdo.
Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Luis Felipe Salomão afirma que a autorregulação das plataformas não tem sido suficiente para fazer frente aos crimes que vêm sendo cometidos. Por isso, ele defende que o Legislativo tome as rédeas do assunto. "Enquanto o Parlamento não aprova uma lei, o Judiciário tem sido chamado cada vez mais a fazer essa regulação. O PL das Fake News discutido no Congresso está num bom caminho. E precisamos avançar na direção do que tem feito outros países", recomenda.
Portugal em alerta
A regulação das big techs também é tema de debate em Portugal. O presidente do país, Marcelo Rebelo de Souza, afirma que, assim como se regulou o sistema financeiro depois da grande crise de 2008, agora é preciso limitar o poder das plataformas digitais, isso vale, inclusive, para a inteligência artificial, que desafia a todos diariamente. "Se escolhermos o caminho da democracia e da dignidade humana, é preciso enfrentar o que está aí. Enfrentamos o poder financeiro, que passou a influenciar a economia real. Agora, temos os poderes digitais, que exigem respostas transnacionais. Não sendo possível, é preciso respostas nacionais", frisa.
Para Rebelo de Souza, não será uma tarefa fácil conter o poder das big tech, mas os poderes políticos não podem fraquejar, pois, quanto mais tarde forem tomadas as decisões piores serão as consequências. "Será preferível a Constituição com algoritmos adequadas à realidade do digital ou o algoritmo condicionar a Constituição?", indaga.
Em abril deste ano, a União Europeia aprovou uma das mais avançadas leis do planeta para pôr fim aos abusos cometidos pelas big techs. As empresas que violarem as regras e permitirem a disseminação de conteúdos ilegais, como pedofilia, ataques à dignidade humana e crimes de ódio, terão de pagar multa de até 6% do faturamento global. As plataformas poderão, inclusive, ser proibidas de operar na União Europeia se as infrações se repetirem.
"Os dias em que as grandes plataformas digitais podiam se comportar como bem entendessem por causa de seu poder acabaram", sentencia o comissário europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton. A nova legislação passará a valer a partir de 2024. Na avaliação do deputado Orlando Silva, relator do PL das Fake News, o modelo europeu de regulação do mundo digital é o mais adequado para ser seguido pelo Brasil.