O Brasil registrou, em 2022, 47.508 mortes violentas intencionais (MVI), como aponta o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (20/7) e produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com uma taxa de 23,4 casos a cada 100 mil habitantes, uma queda de 2,4% em relação a 2021. Em relação ao perfil étnico-racial das vítimas, 76,5% dos mortos eram negros. "Negros são o principal grupo vitimado pela violência independente da ocorrência registrada, e chegam a 83,1% das vítimas de intervenções policiais", diz o documento.
Mesmo significando uma redução de ritmo de mortes violentas em relação aos anos entre 2018 e 2021, “essa pequena queda é positiva e precisa ser realçada. Todavia, ela também revela (...) tensões, limites metodológicos e problemas que devem ser destacados, sob o risco de a sociedade brasileira ser induzida a acreditar na ideia de que o país resolveu seu dilema civilizatório e agora é uma nação mais segura”, afirma o levantamento. “Estamos longe disso. Ainda somos uma nação violenta e profundamente marcada pelas diferenças raciais, de gênero, geracionais e regionais que caracterizam quem são e onde vivem as vítimas da violência letal.”
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As regiões Norte e Nordeste seguem tendo os estados mais violentos. o Amapá está no topo da lista, com uma taxa de MVI de 50,6 a cada 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional de 23,4 a cada 100 mil habitantes. O segundo estado com mais mortes violentas é a Bahia, com taxa de 47,1 a cada 100 mil habitantes. Em terceiro lugar, vem o Amazonas, com taxa de 38,8 a cada 100 mil habitantes. Ao todo, 20 estados apresentaram taxas acima da média nacional. Entre as menores taxas, estão São Paulo (8,4/100 mil), Santa Catarina (9,1/100 mil) e Distrito Federal (11,3/100 mil).
“As causas para a explosão de violência verificada a partir de 2016 já foram tratadas em outras edições deste Anuário, mas, em linhas gerais, tem relação direta com o racha entre as duas maiores organizações criminosas do país, o PCC e o Comando Vermelho. Ambas têm origem no Sudeste, mas ao longo dos anos 2000 foram expandindo seus domínios para outras regiões e buscando parcerias com organizações criminosas locais que também atuavam com o narcotráfico. O PCC, especificamente, acelerou este projeto entre 2012 e 2018, com cerca de 18 mil novos batismos no período, a maioria fora de São Paulo, o que desencadeou o racha com o Comando Vermelho”, explicam a diretora-executiva da entidade, Samira Bueno, e o diretor-presidente, Renato Sérgio de Lima.
A pesquisa aponta que o perfil das vítimas pouco se alterou de um ano para o outro e segue “um padrão mais de longa direção”. “Com aumento ou redução nos estados, o perfil das vítimas se mantem muito parecido nas últimas edições do Anuário. Em média, 91,4% das mortes violentas intencionais vitimam homens, enquanto 8,6% vitimam mulheres. Este percentual varia de acordo com a ocorrência: entre os mortos em intervenções policiais, 99,2% das vítimas eram do sexo masculino”.
Os pesquisadores indicam que negros são a maioria das vítimas em crimes como homicídio doloso, quando há a intenção de matar, representando 76,5%; latrocínio, roubo seguido de morte, com 58,5%; lesão corporal seguda de morte, com 72,1%; e morte por intervenção policial, com 83,1%.
“A vitimização de pessoas negras é maior do que a participação proporcional delas na composição demográfica da população brasileira. Se esse é um dado já conhecido, chama atenção que não exista um debate mais amplo sobre suas origens, causas e possibilidades de redução. É um debate que ainda é tabu e interditado entre os tomadores de decisão nas organizações de segurança pública”, pontua a pesquisa.
Violência e a polícia
O relatório afirma que o cenário de mortes de policiais em confronto ou lesão não natural na folga, além de suicídio e contronto em serviço, segue sendo alto. Em 2022, morreram 173 policiais assassinados e 82 por suicídio. Daqueles que foram mortos, 7 em cada 10 morreram na folga, 40 agentes a mais em comparação com 2021.
“O fato é que na folga esses profissionais estão desassistidos por suas instituições de origem. Não há comunicação por rádio imediata, não há outras viaturas se deslocando para o local ou mesmo a farda que faz com que qualquer pessoa os identifique, mesmo que à distância. Com isso, o socorro pode demorar a chegar em caso de necessidade. A situação se complexifica quando se trata de municípios menores e do interior dos estados”, observam Juliana Martins, coordenadora institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Juliana Lemes da Cruz, conselheira da entidade.
O perfil dos agentes que mais são assassinados é homem (98,4%), negro (67,3%) e principalmente na faixa entre 40 e 44 anos. “O que revela que os policiais experientes foram os mais vitimados.”
Uma dificuldade recorrente dos pesquisadores é a inconsistência na coleta dos dados por parte de secretarias estaduais e municipais. “Seja qual for o motivo das secretarias estaduais ou das polícias não compartilharem as informações ou não terem a prática de sistematizá-las, não falar dos números e, portanto, não dar visibilidade a eles, não protege os policiais.”
Além de vítimas, as polícias do país mataram um total de 6.430 pessoas no último ano, em serviço ou de folga, mantendo certa estabilidade em relação a anos anteriores. Em 2021, foram 6.524 mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP), uma redução de 1,4%.
“Considera-se que há uso abusivo da força por parte das polícias quando o indicador da proporção de MVI em relação ao total das MDIP ultrapassa 10%. Nas proporções observadas no Brasil, o indicador denota que as mortes causadas pelas polícias ocupam um espaço muito significativo e destacado entre os agentes sociais causadores de mortes violentas intencionais. No Amapá, mais de 1 em cada 3 mortes violentas intencionais foi causada pelas polícias”, comentam os pesquisadores Dennis Pacheco e David Marques no documento.
A análise é de que investimentos ineficazes, ineficientes e inefetivos em um modelo de policiamento que “não é capaz de reduzir a violência, conforme temos atestado nas últimas décadas”.
Racismo
Os dados demonstram o inegável racismo no país: 83% dos mortos pela polícia em 2022 no Brasil eram negros e 76% tinham entre 12 e 29 anos. “Prova disso é o fato de que 7 das 10 cidades com as maiores taxas de mortes violentas intencionais do país integram os estados com as polícias mais violentas do país (Amapá e Bahia). Quando olhamos para as 20 cidades com as maiores taxas de MVI, 14 estão nos estados com polícias mais violentas do país (Amapá, Bahia e Rio de Janeiro). Obviamente, polícias violentas não reduzem a violência”, frisa a pesquisa.
“Jovens negros, majoritariamente pobres e residentes das periferias seguem sendo alvo preferencial da letalidade policial e, em resposta a sua vulnerabilidade, diversos estados seguem investindo no legado de modelos de policiamento que os tornam menos seguros e capazes de acessar os direitos civis fundamentais à não discriminação e à vida.”