Escritora, palestrante, artista plástica, bacharel em física e gerente geral de uma agência do Banco do Brasil (BB) no Brás, bairro de São Paulo, Marcela Bosa foi a convidada do Podcast do Correio desta terça-feira (27/6). A escritora descreveu as dificuldades que enfrenta como mulher trans e como isso afeta suas relações familiares e profissionais. Bosa está em Brasília para o lançamento de seu livro, "MA. Eu. Mulher. Trans.", que ocorre amanhã, às 19h, na Livraria da Vila do shopping Iguatemi.
Marcela soube, desde criança, que não se enquadrava no gênero que lhe foi designado. "Ninguém se transforma, apenas se descobre", explicou a escritora. Para ela, o processo foi o de criar coragem para buscar mais informações e entender, de fato, como se identifica, o que veio por meio de muita reflexão e terapia.
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Bosa prefere não revelar seu nome de batismo. A escritora contou que, em viagem à Europa, acabou deixando escapar a informação e percebeu que, a partir daí, as pessoas passaram a errar seus pronomes e seu nome ao se referir a ela. Apesar disso, Marcela reforçou que não oculta a informação para fugir do passado, mas sim para reforçar o presente. "Não tenho vergonha de quem eu fui: o menino que deu origem à Marcela. Mas já foi. Já deu", explicou.
A relação com a família é assunto delicado. Marcela tem pouco contato com a mãe, e não fala com o pai. Originária de uma família conservadora do Paraná, ela conta que foi privada de ir ao enterro de um tio, de quem era próxima. "Ele me ensinou a dirigir, éramos muito próximos. Não deixaram eu me despedir dele. É triste, né?", lamentou.
Primeiro livro, mas não o último
Marcela contou que começou a escrever o livro há alguns anos, mas o processo estagnou. Segundo ela, o gatilho para a retomada foi a participação da cantora Linn da Quebrada no programa Big Brother Brasil (BBB) 22. Ver participantes errando o pronome de Linn, que está tatuado em sua testa, gerou em Marcela uma necessidade de abordar o assunto. "[Pensei:] Eu preciso aproveitar a minha história, minha vivência, já que eu tenho uma certa idade e que tenho uma certa noção da dor da vida", explicou a escritora.
"MA. Eu. Mulher. Trans." é o primeiro livro lançado pela escritora, que afirmou não ser o último. "Adorei escrever. Adorei o mundo das Artes e o mundo da Comunicação. Acho que estou meio viciada", brincou.
A obra, que retrata a história de como Marcela se descobriu mulher, tem o objetivo de normalizar a existência de pessoas trans. A autora afirma que o livro traz uma mensagem de "letramento", pois ensina o leitor a como não "cometer gafes" relacionadas a pessoas trans. "É quase como um guia", enfatizou.
Preconceito e falta de políticas
Marcela refletiu, ainda, sobre os preconceitos sofridos pelas pessoas trans na sociedade e sobre quais seriam as medidas necessárias para combater essas situações.
A escritora lembrou que o Brasil é o país que mais mata pessoas transsexuais e, ao mesmo tempo, é o maior mercado consumidor de pornografia que envolve esse grupo. Ela afirma que o imaginário popular costuma associar mulheres trans sempre à prostituição e ao sexo, gerando uma imagem sexualizada e promíscua delas.
Marcela avalia que o Brasil carece de políticas públicas que favoreçam pessoas trans. Políticas contra o abandono e de acolhimento a elas, políticas educacionais que desmistifiquem os corpos trans, e políticas que estimulem o respeito ao nome social são algumas das medidas que Bosa citou, e que o governo brasileiro não exerce.
Marcela defendeu a necessidade de que pessoas trans ocupem espaços antes não frequentados por elas. Para a escritora, isso é importante para normalizar a existência delas em ambientes cada vez mais diversos, contribuindo para o aumento da aceitação.
Confira a íntegra do Podcast do Correio
*Estagiário sob supervisão de Victor Correia