SUDAM e SUDENE

Polêmica em torno da negociação dos benefícios de Sudene e Sudam

Estudo do Inesc que será divulgado amanhã aponta que, em seus 60 anos de existência, as superintendências criadas para promover desenvolvimento do Norte e do Nordeste privilegiam empresas degradadoras do meio ambiente

Na contramão da discussão nacional por uma política fiscal sustentável e socialmente justa, o Congresso Nacional está prestes a renovar os benefícios oferecidos a empresas pelas superintendências de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e do Nordeste (Sudene). Os atuais incentivos fiscais têm prazo para expirar em dezembro deste ano, mas o projeto de lei do deputado Júlio César (PSD-PI), aprovado na Câmara, em maio, e em discussão no Senado, permite a prorrogação por mais cinco anos, dos incentivos criados em 1963.

Estudo inédito a ser lançado, amanhã, pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), mostra que os incentivos feitos até agora beneficiaram apenas empresas que atuam nos setores de mineração, energia e petróleo, reforçando "o padrão de exploração de recursos naturais concentrados nas regiões Norte e Nordeste, em especial na Amazônia brasileira". O levantamento aponta ainda como "questionáveis" os efeitos econômicos e sociais dos programas e denuncia os seus impactos ambientais.

Ancorado por dados recentes da Receita Federal que, pela primeira vez, revelou os valores bilionários de isenções fiscais concedidas pelas superintendências às empresas, o documento diz que somente empresas com padrão de exploração foram beneficiadas pelos incentivos. "Os novos números da Receita Federal evidenciam que, somente no ano de 2021, os incentivos concedidos por Sudam e Sudene alcançaram R$ 42,38 bilhões. Apenas cinco empresas receberam R$ 22 bilhões em incentivos, 51,9% do total concedido naquele ano. Todas as companhias beneficiárias atuam nos setores de mineração, energia e petróleo, desnudando o quanto esses privilégios fiscais reforçam o padrão de exploração de recursos naturais concentrados nas regiões Norte e Nordeste, em especial na Amazônia brasileira", diz o texto.

O maior benefício foi concedido à mineradora Vale S.A, que obteve R$ 18 bilhões de incentivos em 2021, os quais estão associadas às operações de extração de minério de ferro em Carajás, no Pará.

De acordo com a assessora política do Inesc Alessandra Cardoso, autora do estudo, em todos esses anos, não houve uma "avaliação qualificada" para demonstrar os efeitos positivos dos benefícios, como geração de empregos ou melhorias para a população. Segundo ela, a maior gravidade, está no fato de os incentivos estarem, na verdade, privilegiando as empresas. "Por explorar o minério de ferro e ter quase um monopólio, estando na Amazônia, a Vale ganha duas vezes porque consegue o acesso às reservas e tem os benefícios tributários", afirma a economista.

A pesquisadora pondera que "qualquer análise sobre o efeito desses incentivos, deveria olhar para essas empresas e perguntar se estão ali pelos benefícios ou porque ali estão os recursos que elas precisam explorar". De acordo com ela, no atual formato, os incentivos não fazem sentido, porque acabam pressionando a arrecadação da União e prejudicando a execução de políticas públicas para beneficiar empresas que estão explorando recursos naturais, "com muitos impactos ambientais e sociais, sem que isso se reverta em benefício para a região do ponto de vista do emprego ou do ponto de vista social".

Sugestão

O estudo do Inesc não sugere a extinção das superintendências, mas uma modernização dos seus princípios e a criação de condicionalidades que guardem sintonia com as exigências da nova economia. A ideia é que novas estruturas privilegiem atividades econômicas compatíveis com os tempos atuais, em linha com os compromissos do Brasil no Acordo do Clima da Organização das Nações Unidas (ONU).

"Não estamos dizendo que se deve destruir as superintendências, mas tem que haver uma reestruturação, uma reorientação dessa política, que é do século passado e que produziu muitos impactos, muita violência, muito desmatamento, ataques aos direitos territoriais e que se possa pensar uma nova estrutura, uma nova política de incentivos para a região", destaca a pesquisadora.

"O que se defende é que sejam refundadas as bases e as instituições que estão olhando para a Amazônia nessa perspectiva, na linha da sociobiodiversidade e bioeconomia, com uma nova construção de todas essas políticas, estratégias e instrumentos", acrescenta.

A pesquisadora lembra que o papel dos incentivos fiscais para o desenvolvimento seria o de induzir investimentos privados para a expansão, diversificação e modernização da estrutura produtiva regional. O sentido é que essa mudança na estrutura produtiva proporcione a redução das desigualdades regionais, setoriais e sociais. No entanto, segundo Alessandra, os dados analisados mostram que em 60 anos de existência das superintendências, esse objetivo não foi alcançado. Ela conta que a única avaliação pública sobre os projetos da Sudam cobre o período de 2007 a 2014 e consta de relatório divulgado em 2016. Ainda assim, as informações inseridas, sobre emprego, por exemplo, têm como base estimativas feitas pelas próprias empresas que apresentaram os projetos e não em dados efetivos.

A Vale e o compromisso socioambiental

Em resposta ao estudo do Inesc, a Vale informou, por meio de nota ao Correio, que tem “como premissa contribuir para o desenvolvimento socioeconômico e estabelecer relações de respeito e confiança dos territórios nos quais está presente”. Segundo a nota, nos 40 anos de presença no Norte do país, as atividades da Vale na região refletem este compromisso com as comunidades locais, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais, e o meio ambiente.

“Na frente ambiental, a atuação da Vale no Mosaico de Carajás é exemplo de mineração sustentável — a empresa ajuda a proteger uma área de cerca de 800 mil hectares, ou cinco vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Além disso, o Fundo Vale já contribuiu com cerca de R$ 210 milhões em 90 projetos, envolvendo uma rede de aproximadamente 40 organizações na Amazônia. Já o Instituto Cultural Vale é parceiro de iniciativas que contribuem para potencializar a cultura nas comunidades locais, com mais de 350 projetos realizados em 2022 com patrocínio por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e de recursos próprios”, informa.

A Vale afirma ter feito um desembolso de R$ 29,5 bilhões em 2022, no estado do Pará, com R$ 11,4 bi em compras de fornecedores locais, e emprega 47 mil trabalhadores próprios e terceiros no estado. “Para além dos investimentos econômicos, ambientais e sociais voluntários, a Vale apoia iniciativas que produzem um legado positivo nas frentes da cultura, saúde, esportes, crianças e adolescentes e defesa dos direitos de idosos, via recursos incentivados”, prossegue a nota.

“Na área de educação, por meio da Fundação Vale, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Programa de Educação e Saúde no Pará apoia a alfabetização plena de crianças nas escolas públicas em oito municípios, com 20.779 estudantes beneficiados em 192 unidades de educação. Com o Ciclo Saúde Proteção Social, a Fundação apoia a melhoria de 101 Unidades Básicas de Saúde, que beneficia 490 mil usuários do SUS em Bom Jesus do Tocantins, Canaã dos Carajás, Curionópolis, Eldorado dos Carajás, Marabá, Ourilândia do Norte, Parauapebas e Tucumã. Em 2022, a companhia também financiou 41 iniciativas de inclusão pelo esporte no estado”.

Por fim, a empresa ressalta que “as informações sobre isenção fiscal relativas à Vale são públicas e divulgadas trimestralmente pela companhia”. E acrescenta que os dados relativos aos investimentos ambientais, sociais e econômicos são publicados periodicamente no portal ESG da empresa.

“A Vale reafirma o seu compromisso com a transparência e a mineração sustentável promovendo o desenvolvimento socioeconômico e a conservação das áreas em que atua”, finaliza a nota.

 

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