O presidente Lula quase ficou sem 17 ministérios. Não conseguiu tirar o Coaf do Banco Central nem extinguir a Funasa, nem dar o Cadastro Ambiental Rural e a Agência de Águas a Marina Silva, nem a demarcação de terras indígenas a Sônia Guajajara. Vetou duas mudanças e, com isso, se contrapôs à maioria do Congresso, que vai examinar o veto.
Pagou caro a aprovação por um triz da nova estrutura de governo: o recorde de R$ 1,7 bilhão em emendas liberadas no dia da votação. Se Lula ficou surpreso com esse resultado é porque anda afastado do país, voando demais. Na intimidade, culpa seus articuladores políticos, embora saibamos que Arthur Lira teve boas razões para avisar ao governo que o problema está mais acima.
Talvez seja difícil para o presidente entender que foi eleito pela metade dos eleitores. A outra metade é oposição. Na melhor das hipóteses para ele, o país está dividido ao meio. Lula não teve a vitória esmagadora que justifique sua postura vingativa.
Além disso, a eleição que renovou a Câmara mostrou que cerca de dois terços dos deputados vêm de partidos e votos de centro-direita. A renovação de um terço do Senado aumentou a bancada conservadora para mais de 60%. Resta ao governo apelar ao fisiologismo: liberou emendas e, agora, cogita dar ministérios a partidos que ainda não receberam.
Motivos para refazer o ministério não faltam. Ministros inexperientes não têm noção de como se relacionar com deputados e senadores. Mesmo os experientes ex-governadores, hoje no ministério, estão gerando desgastes ao governo, como o ministro da Justiça Flávio Dino e, agora, o da Casa Civil, Rui Costa, que, sem ser provocado, fez um discurso preconceituoso ofendendo Brasília e os brasilienses, levantando até os petistas da bancada do DF contra o ministro coordenador do governo.
Xingamento
Nunca se havia ouvido antes um governador chamar ministro de "um idiota completo", como disse Ibaneis Rocha ao Correio Braziliense, referindo-se a Costa. Ontem, o chefe da Casa Civil acompanhou o presidente em uma feira do agro, na Bahia, setor que Lula chamou de fascista. Vai ser difícil ser aceito pela área mais dinâmica da economia.
Não foi apenas a escolha do ministério inchado, mas também o espírito de revanche e desmanche. O teto de gastos, a privatizada Eletrobras, o marco do saneamento, a autonomia do BC estão entre as tentativas de desmonte e afastam de Lula os notáveis que assinaram a Carta pela Democracia que o apoiou.
E aparecem editoriais com forte crítica ao governo, em órgãos que apoiaram a candidatura do PT. O programa econômico é claudicante. Esta última novela do carro popular revela a reprise do agrado às montadoras e mostra como a área econômica está insegura, indecisa e é incipiente no ramo.
O falado semi-presidencialismo é uma prática há mais de quatro anos e Lula não percebeu, assim como não percebeu as mudanças em duas décadas. Fica incomodado e voa para fora do país — até quer um avião maior —, afastando-se das dificuldades internas. Viagens que causam mais críticas que elogios, como essas geradas pela política externa de incensar o ditador Nicolás Maduro, em Brasília.
Dia 22 será a 11ª viagem internacional — uma por quinzena. O próximo destino é Paris para tratar de clima. Depois voa ao Papa Francisco. Na verdade, para tratar de clima, só voando para o sol, que é responsável pelo clima da terra. Ícaro tentou isso, sem saber que as asas podiam derreter.