Há 1 ano, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram brutalmente assassinados. Ambos eram defensores da Amazônia e dos povos indígenas. Bruno denunciava atividades ilegais que ocorriam no Vale do Javari, como pesca, garimpo e exploração de madeira. Dom, por sua vez, acompanhava o indigenista para retratar a realidade da região em um livro que estava escrevendo. E para preservar a memória e pedir justiça, entidades e lideranças indígenas realizaram um ato em homenagem ao Bruno e ao Dom na Universidade de Brasília (UnB), nesta segunda-feira (5/6). Segundo indígenas e servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), é necessário dar continuidade ao trabalho dos dois, a fim de mantê-los vivos em legado.
Servidores da Funai lembraram que na gestão do delegado Marcelo Xavier, o órgão indigenista foi aparelhado. Bruno foi demitido da Funai em 2019, após denunciar garimpeiros ilegais. "O Estado foi capturado, foi colocado em cativeiro", pontuou a deputada federal Erika Kokay (PT/DF). Em maio, Marcelo Xavier foi indiciado pela Polícia Federal por omissão. Amigos próximos do Bruno comentaram que o indigenista era um elo na luta pelos direitos dos povos originários. Em uma das últimas mensagens enviadas aos companheiros de trabalho, Bruno afirmou que se sentia com a "boca amarga" com as políticas anti-indígenas que vigoraram durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Para Daniele Brasileiro, que trabalhou com Bruno por seis anos, o indigenista sempre ouviu os indígenas com atenção. "Eu desejo muito que a gente pegue esse legado e cada um de nós seja uma semente. A gente precisa mostrar que o Bruno vive em cada um de nós. A luta continua", destacou. Beatriz Matos, viúva do Bruno e diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, afirmou que, embora ainda seja necessário avançar, já há mudanças significativas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao meio ambiente e povos originários. "Eu assumi esse departamento no Ministério dos Povos Indígenas e isso é fruto do trabalho do Bruno. No Funeral do Bruno, o presidente Lula me ligou e falou que se fosse eleito não teria mais garimpeiros em terra indígena. Eu vejo que está acontecendo uma transformação”, diz.
Para Mônica Carneiro, representante do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Distrito Federal, o legado de Bruno ultrapassa a luta em defesa da Amazônia. "A força e o exemplo do Bruno fizeram com que a gente conseguisse se unir para poder cobrar condições de trabalho na Funai e cobrar segurança para os servidores e povos indígenas, que tombaram defendendo seus territórios. Pedimos justiça por Bruno e Dom. Exigimos a punição de toda a cadeia de crime organizado que atua na região do Vale do Javari, não só as pessoas que executaram, mas que os mandatos sejam investigados, que as quadrilhas sejam desarticuladas. Que sejam punidos todos aqueles que coloboraram, por ação ou omissão", afirmou Mônica.
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Na UnB, as lideranças indígenas e entidades indigenistas também lembraram do servidor da Funai Maxciel Pereira, que foi assassinado a tiros em 2019, em Tabatinga, no Amazonas. Além disso, o ato foi marcado pela mobilização contrária ao Marco Temporal, que será julgado pelo Supremo Tribunal Federal na quarta-feira (7/6). A tese, defendida por setores do agronegócio, restringe as demarcações de terras indígenas àquelas ocupadas em 1988, quando a Constituição foi promulgada. O projeto de lei também traz a possibilidade de revisão de reservas indígenas e as terras podem ser utilizadas pela União para a implementação de hidrelétricas e instalação de redes de comunicação. De acordo com lideranças indígenas, a proposta significa um retrocesso dos direitos dos povos originários e afeta a luta por territórios tradicionais.
Eliésio Marubo, procurador jurídico Da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), destacou que o ato que marco o 1º ano sem Bruno e Dom é um "tempo de choro, mas também um fehamento de ciclo e forralecimento de legado". A ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, também esteve presente na UnB e destacou que o legado do indigenista e do jornalista é de todos nós. "Ainda somos uma sociedade que produz heróis. Não há problema em ter heróis. Mas a produção de heróis é uma denúncia. Bruno e Dom pagaram com o preço de suas vidas com a luta que deve ser de todos nós, principalmente das instituições brasileiras", ressaltou a ministra.
Segundo a deputada federal Erika Kokay, o tempo é de resistência para fazer valer os direitos dos povos originários. "O Marco Temporal é uma destruição dos direitos dos povos indígenas. E é absolutamente inconstitucional. Eles acham que podem calar nossas vozes, mas não vão conseguir. Temos as condições de fazer a reconstrução em nome do Bruno, do Maxciel, do Dom, em nome de todas as pessoas que lutam por um país onde tenhamos respeito aos povos indígenas. Para que a gente nunca esqueça que antes de coroa, tinha cocar nesse país. Não é mais a dor dos cascos da boiada que a gente admite na nossa pele, mas é a tinta do urucum e do jenipapo", frisou a parlamentar.
*Estagiária sob supervisão de Pedro Grigori