JUSTIÇA

Toffoli vota para fim da legítima defesa da honra: "Recurso odioso e cruel"

"Já passou da hora de se extinguir o instituto do júri popular. Ele que reproduz o machismo da sociedade dentro do seio do Poder Judiciário", disse o ministro

Agência Estado
postado em 30/06/2023 10:39 / atualizado em 30/06/2023 10:39
 (crédito: Carlos Moura/SCO/STF)
(crédito: Carlos Moura/SCO/STF)

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, defendeu nesta quinta-feira (29/6) que a Corte máxima declare a inconstitucionalidade a tese de legítima defesa da honra - usada como argumento para justificar feminicídios em ações criminais, sobretudo quando os réus são levados a júri popular. O magistrado defende a proibição de uso da argumentação por violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

O uso da argumentação já estava barrado, desde 2021, por força de uma liminar - decisão provisória, dada em casos urgentes - chancelada pelo Supremo. Agora o Supremo discute o mérito da ação movida pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). O julgamento foi suspenso após a leitura do voto de Toffoli. A discussão será retomada na manhã desta sexta (30/6).

Antes de apresentar seu voto na sessão plenária desta quinta-feira, Toffoli fez um apelo ao Congresso, para que ele extinga o júri popular - modalidade em que uma banca de civis decide se o réu é culpado ou não por crimes contra vida.

"Já passou da hora de se extinguir o instituto do júri popular. Ele que reproduz o machismo da sociedade dentro do seio do Poder Judiciário. Afora as inúmeras possibilidades recursais, diante de seu arcaísmo, de não se chegar nunca a solução seja de feminicídios, mas de homicídios de maneira geral."

Para o relator, argumentações como a de "legítima defesa da honra" "jamais" seriam aceitas por um "juiz ou juíza togada". "Se houvesse seria uma exceção, que seria corrigida."

Já tratando da inconstitucionalidade da tese de legítima defesa da honra, Toffoli sustentou que a alegação "não encontra qualquer amparo ou ressonância no ordenamento jurídico pátrio".

Para o relator, a tese consiste em "recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil".

"Aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de ter sua honra sido ofendida, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa", ressaltou.

Segundo o ministro, a ideia de legítima defesa da honra "tem raízes arcaicas no direito brasileiro, constituindo um ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988'.

Toffoli destacou como o acolhimento da tese "tem a potencialidade de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção".

"Não obstante, para além de um argumento atécnico e extrajurídico, a "legítima defesa da honra" é estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país"

O ministro ainda advertiu que, invocar a tese de legítima defesa da honra sob a alegação de "plenitude de defesa" implicaria na ' função ultrajante de salvaguardar a prática ilícita do feminicídio ou de qualquer outra forma de violência contra a mulher" - "o que é inaceitável em um país em que a vida é considerada o bem jurídico mais valioso do Direito, por opção inequívoca da Constituição de 1988".

Toffoli defende que, caso a defesa de um réu lance mão da tese, seja caracterizada "nulidade da prova, do ato processual ou até mesmo dos debates por ocasião da sessão do júri".

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