Podcast do Correio

"A culpa não pode reger o mundo", diz o psicanalista Jorge Forbes

Por mais de meia hora, Jorge Forbes conversou sobre o tema que mais o atrai, a revolução digital e como será a vida das pessoas nesse futuro que já começou

Vinicius Doria
postado em 25/06/2023 12:16 / atualizado em 25/06/2023 12:21
 (crédito: Ana Dubeux /CB)
(crédito: Ana Dubeux /CB)

Das frases pinçadas para o livro Pílulas de psicanálise — aforismos e sentenças, uma tem a predileção do autor, o psicanalista Jorbe Forbes: "Se você tem culpa, a culpa é sua". "Adoro essa", comentou Forbes na entrevista que deu ao Podcast do Correio. Por mais de meia hora, ele conversou sobre o tema que mais o atrai, a revolução digital e como será a vida das pessoas nesse futuro que já começou.

"Essas frases refletem os últimos 10, 20 anos do meu trabalho. Todas elas têm uma coisa em comum: pensam o homem não no bom senso, mas na ruptura do desejo. E não se fecham, não tem moral da história. É interessante ver a incidência do pensamento psicanalítico nos mais diversos campos da vivência humana. Quando eu digo 'o amor é um desencontro a dois', isso é ruim? Não. Mas eu tenho uma certa predileção para 'se você tem culpa, a culpa é sua'. A psicanálise é um ótimo agente contra a culpa. A culpa não pode reger o mundo", comentou Forbes, bem-humorado, na gravação do podcast com os jornalistas Vinicius Doria e Carlos Alexandre de Souza.

Para ele, a humanidade está vivendo uma fase dramática, de ruptura com o até então confortável mundo analógico e ainda com medo do futuro digital e suas inteligências artificiais. Para ele, todas as atividades humanas "que são repetitivas, protocolares, formatadas" serão mais benfeitas pela inteligência artificial.

"O motorista artificial, para a indústria, será muito melhor que o motorista pessoa: não bebe, não fuma, respeita as regras, não para para descansar, não faz greve. Somos de uma época em que um radiologista analisava a sua radiografia e dava um laudo baseado na experiência dele, de já ter visto 20 mil, 30 mil chapas ao longo da carreira. Aí vem a inteligência artificial e diz: 'Eu vi 100 milhões de chapas nos últimos 30 segundos'. Não é comparável, assim como não se compara a memória dos nossos telefones celulares com nossa própria memória. Hoje, eu não lembro mais nem o número do telefone fixo da minha casa", exemplifica o psicanalista.

Para ele, é difícil explicar às pessoas a diferença entre o mundo moderno do passado e o pós-moderno, do presente. "Explicar que o moderno é o ontem, e que o hoje seria o pós-moderno não é bom para fazer o recorte de uma experiência vivida." Já o termo globalização ele considera adequado. "É interessante porque se opõe à universalização. Universalização é caminhar para o um. Globalização é caminhar para o múltiplo. Eu gosto desse termo."

Jorge Forbes diz que não há fórmula pronta para fazer a travessia entre os dois mundos, o analógico e o digital — que ele chama em seus estudos de Terra 1 e Terra 2. Ao contrário, essa adaptação requer muita criatividade, combustível essencial para viver em Terra 2.

"Há dois conceitos: disciplina e responsabilidade. Quanto mais disciplinado é lado social, menos responsável ele é. Quando se abaixa a disciplina, aumenta a responsabilidade das pessoas pelas suas escolhas, pelos seus desejos, pelas suas opções na vida. Sairemos desse tsunami quando soubermos que teremos de inventar soluções e nos responsabilizarmos por elas."

Em outra pílula do livro, ele diz que "o brasileiro não se assusta com a globalização nem com a pós-modernidade. Há muito ele desconfia das hierarquias e das tradições". Forbes considera a revolução digital em curso como "uma grande chance que temos de saber aproveitar". O jeitinho brasileiro, tão criticado por muitos, é, para o psicanalista, uma "razão sensível" que diferencia a nossa forma de pensar e agir em relação a outros povos. "Não tem país que faça, num mundo variável como o nosso, o que o brasileiro faz. Nós temos uma maneira de viver variável e fluida que faz com que nos apavoremos menos com a globalização."

O que o assusta, porém, é o avanço do reacionarismo "no pior sentido do termo". Para ele, as pessoas "não querem só voltar ao passado, querem um tirano, alguém que diga para elas o que fazer".

"Elas se juntam em torno de palavras de ordem as mais ignorantes, as mais vazias, são perigosíssimas. Mas é um fenômeno esperado, não há nenhuma contradição quando você tem uma abertura ou uma quebra do norte que as pessoas peçam, pelo amor de Deus, uma âncora, mesmo pagando como preço a sua própria liberdade. Essas pessoas não querem liberdade, preferem uma âncora nefasta, e acabam elegendo líderes tão horrorosos quanto a posição delas."

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