Para além do Vale do Javari: quem foi Bruno Pereira

Como era a vida de Bruno Pereira na floresta com indígenas isolados

Depois de pedir licença da Funai, o indigenista Bruno Pereira buscou outras formas de dar continuidade à defesa dos povos isolados

Isabel Dourado*
postado em 04/06/2023 06:04
 (crédito: Beto Marubo)
(crédito: Beto Marubo)

Bruno Pereira se especializou nas técnicas de contato com indígenas usadas durante as incursões na mata. Passou uma temporada em Rondônia, com o indigenista Rieli Franciscato, considerado um dos principais especialistas na área. Franciscato morreu em setembro de 2020, atingido por uma flecha de indígenas isolados no estado.

“A Funai parou as expedições em 2000. O Bruno fez mais de 10 expedições quando ele saiu de Rondônia. Aprendeu muita coisa com o Rieli. É complexo montar uma expedição: exige meses de estudo, topografia, a parte dos rios, a logística. Tem que ter um comando. E ele coordenou sem nenhum problema”, relata Beto Marubo.

Depois de pedir licença da Funai, Bruno buscou outras formas de dar continuidade à defesa dos povos isolados. Foi convidado a trabalhar com a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari), organização que atua na defesa dos direitos coletivos dos povos indígenas do Vale do Javari. O ex-servidor da Funai criou a Equipe de Vigilância da Univaja (EVU). “Ele passou a ser ligado à Univaja e fez parte da equipe técnica. A EVU foi criada em um contexto em que o Estado era negacionista. Inclusive o nome da unidade foi ideia do Bruno”, explica Marubo.

Esta reportagem faz parte da série ‘Para além do Vale do Javari: quem foi Bruno Pereira’. No aniversário da morte do indigenista Bruno Pereira, o Correio Braziliense reconstitui a trajetória do apaixonado pelos povos originários que acabou tornando-se um mártir da causa indígena. Confira as outras reportagens da série:

Há um ano, o crime que calou uma voz indigenista

Em de junho de 2022, no Dia Mundial do Meio Ambiente, a missão do indigenista Bruno na defesa dos povos indígenas e na luta contra o garimpo ilegal foi interrompida. Ele foi brutalmente assassinado junto com o jornalista inglês Dom Phillips no trajeto entre a comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, no extremo oeste do Amazonas. Bruno viajaria até a Terra Indígena Araribóia no Maranhão para promover um intercâmbio entre os defensores dos dois territórios. A ideia era de que os Guardiões da Floresta Guajajara treinassem os parentes amazonenses do Javari. Os índios daquela região, além de ameaçados pela invasão do território, ainda enfrentam a pesca ilegal e o narcotráfico na tríplice fronteira com Peru e Colômbia.

  • Indigenista brasileiro e jornalista britânico assassinados LUCIOLA VILLELA
  • People attend a demonstration in Rio de Janeiro, Brazil, on June 26, 2022, to call for justice for the murder Brazilian indigenous expert Bruno Pereira and the British journalist Dom Phillips, who were murdered while on a reporting mission in the Amazon rainforest. Phillips and Pereira, who had gone missing on June 5 in a remote part of the rainforest rife with illegal mining, fishing and logging, as well as drug trafficking, were shot while returning from an expedition in the Javari Valley. (Photo by LUCIOLA VILLELA / AFP) Caption LUCIOLA VILLELA
  • Cerimônia de sepultamento dos restos mortais de Bruno, em Recife. Assassinado brutalmente com Dom por denunciar crimes no Vale do Javari Brenda Alcântara/AFP
  • Funeral do indigenista Bruno Pereira, assassinado aos 41 anos, na Amazônia BRENDA ALCANTARA / AFP

Bruno vinha recebendo ameaças de morte por conta do trabalho que realizava junto às comunidades nativas do Vale do Javari. “O Bruno foi muito forte. A palavra que o define é Justiça. Bruno era muito justo. Ele dizia para a gente que a missão dele não tinha acabado, que ele precisava concluir a missão dele, que era pelos índios. Ele falava que os índios precisavam dele”, conta Keit, emocionada.

“A gente se sentiu abandonado pelo Estado, sempre faltaram recursos lá na ponta. O Bruno resolveu meter a cara e seguir em frente assim mesmo. Foi uma atitude louvável, mas temerária. Nunca nos sentimos seguros exercendo nossas funções. Quem pagou o pato foi o Bruno, mas poderia ter sido qualquer um de nós. Passamos tantas e tantas vezes pilotando nossas embarcações, de dia ou de noite, por esse mesmo local onde ele foi morto com o Dom”, lamenta o servidor da Funai e amigo de Bruno, Ivan Soler.

*Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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