Talvez uma das vertentes do racismo mais normatizada na cultura brasileira, o racismo recreativo se tornou pauta nas redes sociais após duas influenciadoras publicarem vídeos em que dão de presente para crianças negras uma banana e um macaco de pelúcia. Ambas estão sendo investigadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro após uma onda de quase mil denúncias ao órgão.
O termo racismo recreativo foi criado pelo pesquisador Adilson Moreira, em livro de mesmo nome, e ele explica que a expressão veio como uma forma de combate de práticas que as pessoas acham que são brincadeiras inofensivas mas que na verdade são uma forma de microagressão com as pessoas negras.
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"É uma forma de discurso que tem a perspectiva da cor da pele como uma forma de inferiorizar e violentar as pessoas negras, então, na realidade se utiliza de um discurso de humor para uma prática discriminatória a partir das características físicas da pessoa preta", explica Kelly Quirino, professora de relações raciais na Universidade de Brasília (UnB).
Contudo, essa prática que se tornou tão comum no Brasil já está descrita na legislação. Segundo o advogado criminalista e especialista em Direito Público Oberdan Costa, algumas mudanças foram feitas que ampliaram as legislações sobre esse tema.
“O que antes era classificado como injúria racial, um mero crime contra a honra, recentemente passou a ser tipificado como crime de racismo e foi retirado inclusive do código penal e posto na lei específica contra a discriminação racial”, conceitua o especialista.
As penas também foram ampliadas — passando a ser de dois a cinco anos — e outras modificações de ordem técnica ocorreram. “O crime agora é imprescritível, ou seja, não importa quanto tempo se passa do episódio de racismo é sempre possível denunciá-lo e a pessoa que cometeu racismo pode ser processada e condenada por esse crime”, frisa Oberdan.
Para o advogado é importante destacar ainda que o crime de racismo recreativo continua sendo racismo, ou seja, que não é considerado distinto perante a Lei. “Inclusive, segundo essa modificação legal recente, ele (racismo recreativo) é uma modalidade agravada. As penas de racismo cometido no contexto de recreação, diversão ou descontração, são aumentadas de um terço a metade em relação aos dois anos a cinco anos do crime de racismo”, acentua.
Uma tarefa da sociedade inteira
Para Kelly, para que essa prática deixe de ser normalizada e sem consequências é preciso que outras ações sejam feitas para além do governo e legislação brasileira. "Todo trabalho que o governo tem que fazer a sociedade civil também tem que fazer", destaca.
Ela avalia ainda que existem muitos empecilhos para que a prática do racismo seja neutralizada no país. “A lei 10.639 existe desde 2003 para combater o racismo nos sistemas de ensino e é uma lei que a gente não conseguiu ainda emplacar totalmente porque há muita resistência das escolas”, explica.
Uma das medidas que podem ser adotadas segundo a especialista é fazer o letramento racial desde o maternal com as crianças, debater esse tema nos espaços de comunicação e criar políticas anti-racistas. "Não dá para colocar essa conta só no governo. Nós enquanto sociedade também precisamos mudar."
O caso das influenciadoras
As influenciadoras Kerollen Cunha e Nancy Gonçalves postaram vídeos no TikTok em que ofereciam uma quantia em dinheiro para uma criança ou um presente embrulhado. As crianças então decidiam qual dos dois queria. Em um dos vídeos, um menino escolhe o presente ao invés de R$ 10 e ao abrir o pacote, descobre que o presente é uma banana. No segundo vídeo, uma menina também decide escolher o presente, que era um macaco de pelúcia.
“Esse episódio de dar banana para as crianças negras é muito deste lugar de animalização das pessoas pretas. Isso é sério. Isso dói e mexe com a autoestima e nós enquanto sociedade somos responsáveis se a sociedade brasileira não está preparada ainda para discutir isso”, avalia Kelly.
De acordo com Oberdan, como há muita documentação e registros da ação das influenciadoras para com as crianças negras, a probabilidade de denúncia e condenação para elas é alta. “Se você analisar os vídeos, o fundo musical que é usado nas postagens e o tom da influenciadora ao entregar a banana e o macaco de pelúcia para as crianças, ele denota de fato um tom jocoso, então me parece a prova da materialidade e da autoria desse crime é bastante clara de forma que isso influencia positivamente na probabilidade de haver uma condenação por esse crime”, afirma o advogado.
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