A Justiça Federal do Rio Grande do Sul condenou um grupo empresarial, um laboratório e uma associação a pagar indenizações no valor R$ 55 milhões por defenderem e estimularem o uso do chamado "tratamento precoce" contra a covid-19 — que inclui a cloroquina e a ivermectina, medicamentos comprovadamente sem eficácia contra o novo coronavírus.
A condenação por danos morais coletivos e à saúde atinge o Grupo José Alves (GJA Participações), a Vitamedic Farmacêutica — fabricante de medicamentos do kit covid — e a Associação Dignidade Médica de Pernambuco (ADMP), que publicou um texto em jornais de grande circulação, em fevereiro de 2021, defendendo o emprego dos fármacos contra a doença. Em uma das ações, a condenação foi de R$ 45 milhões e, na outra, de R$ 10 milhões.
Durante a CPI da Covid, o diretor-executivo da farmacêutica Vitamedic, Jailton Batista, assumiu ao depor que foi a empresa, e não a associação, que custeou a publicação do manifesto nos jornais — o desembolso, segundo ele, foi de R$ 717 mil. No informe à imprensa, a ADMP citava os possíveis benefícios do "tratamento precoce" para a covid-19, citando expressamente a cloroquina e a ivermectina.
A propaganda, intitulada "Manifesto pela Vida", era assinada pelo grupo que se intitulava como "médicos do tratamento precoce Brasil". O relatório final da CPI constatou que o faturamento da Vitamedic — que é parte do Grupo José Alves —, que fabrica a ivermectina, passou de aproximadamente R$ 16 milhões, em 2019, para mais de R$ 474 milhões, em 2020, e R$ 265 milhões de janeiro a maio de 2021.
"Resolução da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa), por exemplo, determina que as informações sobre medicamentos devem ser comprovadas cientificamente, o que não é o caso daqueles elencados no manifesto quando aplicados a casos de covid-19", afirmaram os procuradores que assinaram a denúncia aceita pela Justiça.
"Tal referência, no entanto, é realizada sem qualquer indicação de possíveis efeitos adversos que podem decorrer da utilização desses medicamentos, além de, possivelmente, estimular a automedicação, uma vez que era indicado por associação médica", destaca a denúncia do MPF.
O "kit covid" foi parte da chamada "guerra ideológica" do governo Jair Bolsonaro durante a pandemia. O ex-presidente foi um dos principais defensores da aplicação da cloroquina (usada no combate ao lúpus e à artrite reumatoide) e da ivermectina (que é um vermífugo) como "tratamento precoce" contra o vírus. A vários momentos ele participou de eventos nos quais apresentava uma caixa de cloroquina e chegou até mesmo, diante de apoiadores e para fazer uma ironia, a oferecer o remédio para as emas do Palácio da Alvorada.
Bolsonaro, inclusive, criticou a vacina contra a covid-19 — disse que quem a tomasse poderia "virar jacaré" —, no que foi seguido por vários dos seus apoiadores, que usaram as redes sociais para atacar a imunização e disseminar a desinformação de que havia um complô de grandes laboratórios para "impor" o medicamento somente para poderem faturar. Os bolsonaristas insistiram na teoria conspiratória de que como a cloroquina e a ivermectina eram de produção barata, não interessava aos grandes complexos farmacêuticos estimular a aplicação dos dois remédios.
Por ordem de Bolsonaro, o Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEx) passou a produzir cloroquina "em atendimento às demandas do Ministério da Defesa e do Ministério da Saúde".
*Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi