RIO DE JANEIRO

O mistério da onça rara que dura quase 10 anos na região serrana do RJ

O primeiro registro do animal - um macho que tinha por volta de 2 anos de idade na época - foi feito em julho de 2013 por armadilhas fotográficas no Parnaso


"Uma coisa surreal que jamais achei que veria", pensou o técnico em segurança eletrônica Tales Oliveira, de 27 anos, ao avistar um ponto branco se movimentando entre as pedras em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, na manhã de 30 de março deste ano.

Oliveira estava perto da janela de casa, junto com um amigo, quando avistou o que pensou ser uma onça-parda branca, um animal raríssimo, andando em uma área de proteção ambiental.

"Resolvi pegar um binóculo e começamos a observar", diz Tales, que cresceu na região de Petrópolis e ouviu desde pequeno sobre onças vivendo por ali - mas nunca tinha visto nenhuma.

Poucas semanas depois, outro morador da região também fez registros que acreditava ser do mesmo animal.

Supostamente, seria uma onça-parda com uma condição genética rara que deixa a maior parte da pelagem branca.

Há quase dez anos, um animal com essas características foi visto pela primeira vez no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (Parnaso), em uma região da Mata Atlântica.

Ele foi avistado outras três vezes nos meses seguintes, mas, depois, nunca mais foi localizado.

Os registros recentes foram avaliados por pesquisadores, que apontaram que as imagens não são da onça rara.

No caso das fotografias feitas por um morador, a onça na verdade era um gato.

Já no vídeo de Tales, não foi possível confirmar qual era o animal, porque a imagem era de baixa qualidade.

Com isso, o paradeiro atual da onça raríssima permanece incerto.

A onça-parda branca

O leucismo é a condição por trás da pelagem branca dessa onça-parda.

O primeiro registro do animal - um macho que tinha por volta de 2 anos de idade na época - foi feito em julho de 2013 por armadilhas fotográficas no Parnaso.

Não havia, até então, nenhum outro caso confirmado dessa característica genética entre onças-pardas. Essa condição já havia sido identificada em outros felinos, como tigres e leões.

O leucismo se caracteriza pela ausência de melanina na pelagem, que fica completamente clara por causa disso.

"O albinismo, por exemplo, é a perda completa da pigmentação do animal, já o leucismo é a perda da pigmentação apenas na pelagem. É uma coisa muito rara", diz o biólogo Lucas Gonçalves, que estuda o tema.

O pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília explica que o leucismo não costuma trazer vantagens ou desvantagens diretas.

Mas é bem provável que o animal tenha dificuldade para se camuflar na paisagem, diz o biólogo.

ICMBio
Animal foi identificado após armadilhas fotográficas instaladas em área da Mata Atlântica

Gonçalves diz que houve outra suspeita de leucismo em onça-parda décadas atrás, mas o caso não foi confirmado porque as imagens do registro eram em preto e branco.

Gonçalves foi quem identificou o caso inédito da onça-parda branca em Petrópolis.

Em 2014, ele olhava as imagens das armadilhas fotográficas que monitoravam os animais do Parnaso quando viu uma onça-parda que não tinha a cor habitual da espécie, que varia entre tons de bege e marrom.

O pesquisador avisou os responsáveis pelas imagens sobre a raridade do bicho. A partir de então, a onça com leucismo ganhou atenção e, em 2018, foi descrita por cientistas na publicação CAT News, da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).

Cinco anos atrás, pesquisadores quiseram instalar novas câmeras para monitorá-la e até cogitaram buscar alguma forma de fazer um estudo genético. Mas as ideias não foram para frente por falta de recursos.

O mistério da onça rara

Os quatro registros da onça-parda com leucismo foram feitos entre julho e setembro de 2013.

"Há outras imagens de onças-pardas durante a noite, mas as câmeras fotografam em infravermelho, e isso dificulta identificar a coloração do animal, por isso não sabemos se ela foi avistada outras vezes (depois de 2013)", explica a bióloga Cecília Cronemberger, que coordena as armadilhas fotográficas para estudar as espécies da região.

Quase uma década depois, pesquisadores ficaram em alerta quando souberam de novos possíveis registros que teriam sido feitos por moradores.

Ainda no dia em que Tales Oliveira gravou seu vídeo, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) fez buscas com um drone para confirmar se realmente se tratava de uma onça-parda.

"A gente também voltou nos dias seguintes, em uma sequência de dias e em horários alternados para pegar os períodos em que as onças estão mais ativas, mas, infelizmente, não conseguimos registrar o animal", comenta Victor Valente, chefe das unidades de conservação ambiental da serra fluminense.

O vídeo de Tales foi analisado por especialistas do ICMBio. Eles avaliaram que, se realmente fosse uma onça-parda, provavelmente seria um animal de coloração normal.

"Inicialmente, a gente até achou que pudesse ser (a onça rara), mas como era uma filmagem ao amanhecer, provavelmente era o sol batendo em uma pedra e dando a impressão de que a onça era mais clara do que realmente era, e isso confundiu os moradores", explica Valente.

Os pesquisadores dizem que, apesar de não ser comum que onças-pardas sejam avistadas por moradores, elas habitam a região de Petrópolis.

É difícil saber exatamente o tamanho da população deste tipo de onça, também conhecida como puma ou suçuarana, mas há estudos que apontam que no Brasil há cerca de 4 mil – sendo que mil somente na Mata Atlântica.

O ICMBio diz em nota à BBC News Brasil que quem avistar uma onça deve evitar tirar fotos ou se aproximar do animal.

"Também não é recomendado atacar, perseguir ou ameaçar, tendo em vista que mesmo grandes predadores só atacam quando são provocados ou se estão com filhotes."

A onça-parda, encontrada do Canadá ao extremo sul do continente sul-americano, é uma espécie quase ameaçada de extinção. A expansão da agropecuária e da exploração de madeira, além do aumento das queimadas, são alguns dos fatores que levam a isso.

Os estudiosos acreditam que há grande possibilidade de que a onça-parda branca nunca seja vista novamente.

Eles apontam, por exemplo, que o animal já pode ter morrido "considerando o ciclo de vida de uma onça-parda, que é de 12 a 15 anos", diz Valente.

"Vai ser quase impossível registrar esse animal novamente, por ser algo raro. Pode ser que passem 50 ou 100 anos sem surgir uma outra onça-parda branca", diz o biólogo Lucas Gonçalves.

"Mas, por ter existido em algum momento um animal branco como ele, a gente sabe que isso pode aparecer de novo nessa espécie", acrescenta Gonçalves.