Há um provérbio africano que diz que "é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança", cita a mentora de mulheres Sheilla Antão. De fato, ela ressalta, acompanhar a formação de um ser humano com todo o cuidado, afeto e atenção que ele demanda não deveria ser considerado tarefa para uma pessoa só, mas infelizmente é o que quase sempre acontece.
Para Sheilla, a questão da rede de apoio ainda está no campo das ideias e tem sido tratada com uma certa romantização. "As demais pessoas do convívio da mãe, como amigas, familiares e, principalmente, o pai da criança, ocupam uma posição confortável em se colocar ‘a postos’ para o que a mulher precisar. Ou seja, a carga de responsabilidade de gerenciar e delegar recai sobre a mulher, além da carga executiva, que permanece alta", aponta.
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Os dilemas da maternidade são muito mais profundos do que trocar fraldas, fazer para-casa ou regular o uso de telas. Sheilla diz que a sensação de solidão acontece quando os pensamentos conflitam com o que socialmente se espera de uma mãe. "É muito difícil separar, inclusive dentro das mães, o que de fato é o amor que sentimos pelos nossos filhos e o que é uma ação motivada pela culpa ou obrigação materna", avalia. Segundo a especialista, é fundamental compreender como estabelecer uma criação responsável, leve, amorosa e segura junto aos filhos, ao mesmo tempo em que se preserva o espaço de sua própria existência como mulher e como mãe.
Cooperação
"Costumo trabalhar a ideia do "você não ‘tem que’ nada" com as mães que eu atendo. É aí onde se consegue delimitar o que é culpa, o que é amor, e o que de fato é a responsabilidade diante da vida, enquanto ainda depende de cuidados, afeto e dedicação. E daí, voltamos à questão da atitude ativa de escuta, acolhimento e cooperação com as mães."
A sensação de solidão, somada à loucura hormonal e todas as situações do cotidiano formam, para muitas mulheres, a receita de exaustão, continua Sheilla. Fica para a mulher, ela aponta, se sentir neste lugar solitário de equilibrar todos os pratos sozinha e se ver, a cada dia que passa, impelida a abdicar de si mesma (sonhos, carreira, autocuidado e afins) para se concentrar na nova dinâmica de vida que se apresenta ali. "É claro que há exceções. Algumas mães têm um traço de personalidade que facilita lidar com leveza com todas essas questões. Outras têm ajuda emocional e funcional; outras têm bebês que não dão o menor trabalho."
Para quem realmente quer acolher e cooperar com a mãe, Sheilla aconselha ter atitudes que as faça se sentir confortável em mostrar exatamente o que sente, precisa e pensa. "Liberte-se de sua visão pessoal sobre a maternidade, ainda que você também seja mãe. Permita que essa mãe que está ali, demandando ajuda, possa encontrar a sua própria versão de maternidade de uma forma leve, autêntica e livre de qualquer julgamento social. Isso certamente diminuirá a sensação de solidão", ensina.
Para ler e refletir…
“As conversas que nunca tive com minha a minha mãe - histórias reais”, Michele Filgate (organizadora) reuniu o relato de 15 escritores e escritoras que contam momentos de seus relacionamentos com as mães. A obra tem histórias de filhos e filhas que vivenciam lares amorosos, responsabilidades, “falsas” acusações, segredos, relações abusivas, perdas e reconquistas. Professora de escrita criativa, Michele é editora do Literary Hub e criadora de um grupo de mulheres escritoras. Editora Vestígio, 221 páginas.
História de luta
Heitor nasceu prematuro, aos sete meses de gestação, em 2017, com 1,824 quilos. É filho da empreendedora na área de consultoria e atendimento ao cliente, Lisa Mara Teles, de 40 anos, e de Leandro. A bolsa rompeu antes da hora, e Lisa precisou ser internada, tomando remédios que amadurecem o pulmão do bebê, e antibióticos para evitar que ele contraísse bactérias na hora do parto. Ela deu entrada no hospital numa terça-feira, e o pequeno nasceu no sábado seguinte.
Uma história de luta começava ali. Heitor também apresentou um quadro de icterícia. Durante os 17 dias que se seguiram ao parto, com o filho ainda no hospital, a rotina de Lisa era ir e voltar todos os dias do centro de saúde para acompanhar o filho. "Precisava tirar o leite com bomba e passava para a sonda para que ele recebesse. Com tanta coisa, acabei desenvolvendo um quadro depressivo. Tive febre emocional, não dormia nem comia direito, uma rotina exaustiva. Também tive uma inflamação grave nos pontos da cesárea. Peguei meu filho no colo pela primeira vez quando ele tinha 10 dias de vida", relata. Foi em uma crise de choro no elevador do hospital que Lisa recebeu os conselhos de uma médica que percebeu a situação. Era hora de procurar ajuda. "Precisava me cuidar para conseguir cuidar dele."
Quando Heitor finalmente pôde ir para casa, mais uma jornada começou. Ele teve alta pesando 2,3 quilos. Lisa foi para a casa da mãe, Marisa, mas ela e Leandro ficavam fora o dia todo trabalhando. Lisa passava a maior parte do tempo sozinha com o bebê, e tendo que aprender tudo o que envolvia cuidar dele. No início, o leite materno não foi suficiente para seu desenvolvimento (entrou com suplementos) e, com quatro meses, o menino teve uma hérnia na virilha e precisou de cirurgia. Também chorava muito. Ao mesmo tempo, ela passou quase o ano inteiro do nascimento de Heitor com crises de dor por causa da vesícula, que acabou deixando de lado até que não pudesse mais ficar sem retirá-la.
Insegurança
A sobrecarga do primeiro ano com o Heitor, conta Lisa, tinha muito a ver com o medo de errar, não saber cuidar, a insegurança e a solidão. "Acontece com todas as mães. Quando você está grávida, as amigas e pessoas próximas oferecem ajuda, mas depois você entende que a responsabilidade é sua, afinal, cada uma tem sua vida e afazeres."
A situação começou a melhorar quando a mãe de Lisa aposentou e passou a ser sua grande rede de apoio, juntamente com o esposo, que se desdobrava para ajudar. Aos poucos, depois de receber o auxílio da mentora em gestão pessoal Sheilla Antão, ela pôde retomar a vida profissional e, agora, trabalhando em casa, consegue ficar perto do filho, hoje com seis anos.