Após uma escalada de violência, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu uma medida cautelar em favor da proteção dos indígenas Pataxó, do extremo sul da Bahia. Segundo o órgão, esses povos originários correm "grave risco", pois a vida e os direitos deles estão em "situação de gravidade e urgência". As áreas que compreendem as Terras Indígenas Barra Velha e Comexatibá são alvo de disputa de posse por fazendeiros, grileiros e empresários.
Dessa forma, a CIDH fez três recomendações ao Estado brasileiro:
- adotar as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros do povo indígena Pataxó;
- coordenar as medidas a serem adotadas com as pessoas beneficiárias e seus representantes;
- informar sobre as ações adotadas para a investigação dos fatos que motivaram a adoção desta medida cautelar e, assim, evitar sua repetição.
A medida cautelar foi emitida após solicitação de diversas organizações, como: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Associação de Advogados (as) de Trabalhadores (as) Rurais (AATR), Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, Conectas Direitos Humanos, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos, Instituto Hori Educação e Cultura, e Justiça Global e a Terra de Direitos.
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"O povo indígena Pataxó enfrenta uma situação de risco, pois inclusive comunidades já consolidadas, como a Aldeia Nova, tem sido alvo de ataques. Além disso, informa que as Comunidades Boca da Mata e Cassiana, na TI Barra Velha, que são alvo de maiores conflitos, servem de entrada para o território, afetando a circulação, o acesso a alimentos e ao rio, e a saúde de todo o povo no território", argumentaram as organizações.
Ao Correio, a advogada Lethicia Reis, do Conselho Indigenista Missionário, explicou que pelo caráter de urgência, o parecer da Comissão Interamericana de Direitos Humanos levou três meses para ser emitido. "O povo Pataxó corre riscos difíceis de reparar, ou até impossíveis. A medida dá o prazo de 20 dias para que o Estado brasileiro diga como está o andamento para cumprir as recomendações. Reconhecemos que o governo não tem mais uma política anti-indígena, mas precisa avançar na proteção dos territórios e dos povos originários", explica.
Demarcação
Os povos originários do extremo sul da Bahia reivindicam pela conclusão do procedimento demarcatório, já que, pela Constituição Federal, é dever da União demarcar territórios indígenas. Esse processo tem sete fases:
- estudos de identificação,
- aprovação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai),
- contestações,
- declaração de limites,
- demarcação dos limites,
- demarcação física,
- homologação e registro.
A Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal está com processo de demarcação aberto desde 2000 e aguarda a assinatura da portaria declaratória, cuja competência agora é do Ministério dos Povos Indígenas.
Já a TI Comexatibá está numa fase anterior da homologação. "Teve o relatório de delimitação publicado em 2015 e aguarda, desde então, a análise das contestações de quem é contrário à demarcação", comenta a advogada Lethicia Reis.
Veja o documento completo neste link.
Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a paralisação e demora no processo de demarcação contribui para o acirramento dos conflitos. "A Comissão observa que os eventos de risco alegados não se centram em apenas uma comunidade, com eventos de risco alcançando diferentes comunidades com o passar do tempo", ressalta a CIDH.
"A Comissão relembra que, para que as medidas adotas pelo Estado sejam adequadas e efetivas estas devem ser, respectivamente, apropriadas para proteger as pessoas na situação de risco em que se encontram, e devem produzir os resultados esperados de maneira que cesse o risco. Para que as medidas sejam apropriadas, devem, por sua própria natureza, permitir fazer frente ao risco que se atravessa, protegendo à vida e à integridade da pessoa ameaçada, assim como garantindo, por exemplo, que se continue realizando trabalho de promoção e defesa dos direitos humanos. Nesse sentido, a Comissão observa que permanece pendente a implementação de determinadas ações por parte do Estado", emenda o órgão.
Ações pendentes
A Comissão avalia positivamente a criação do Gabinete de Crise, instalado pelo Ministério dos Povos Indígenas, após os jovens Pataxó, Samuel Cristiano do Amor Divino, de 25 anos, e Nawir Brito de Jesus, 17, serem assassinados a tiros. Entretanto, algumas medidas ainda não foram concretizadas.
"Visita in loco por parte de missão instituída pelo Gabinete de Crise, avanço efetivo no processo administrativo de demarcação de terra, envio da Força Nacional de Segurança Pública, cobrança quanto à inclusão em programa de proteção a defensores de direitos humanos do estado da Bahia, bem como sua efetiva atuação", elencou a CIDH.
O Correio tentou contato com o Ministério dos Povos Indígenas para saber mais detalhes das ações para a proteção do povo Pataxó, assim como os planos futuros da pasta. Mas até a publicação desta matéria, o jornal não obteve retorno.