O Instituto Vladimir Herzog divulgou, nesta quarta-feira (26/4), um relatório de monitaramento das 29 recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) aos Três Poderes da República. A CNV foi instituída em 2012 para investigar as violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, no Brasil. Segundo o documento, as 13 recomedações sobre os direitos dos povos indígenas estão em retrocesso.
"Destaca-se a importância da instalação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, da realização de um pedido público de desculpas do Estado brasileiro aos povos indígenas pelo esbulho das terras indígenas e pelas demais graves violações de direitos humanos ocorridas sob sua responsabilidade direta ou indireta durante a ditadura, e a necessidade de promoção de políticas sobre os direitos e a história dos povos indígenas", pontua o relatório.
As recomendações da CNV foram divididas em quatro categorias: realizadas, parcialmente realizadas, não realizadas e retrocedidas. Seguindo este critério, das 29 orientações, apenas 2 foram realizadas (7%) e 6 parcialmente realizadas (21%). As não realizadas e retrocedidas são maioria, sendo 14 não realizadas (48%) e 7 retrocedidas (24%). Segundo o Instituto Vladimir Herzog, o cenário é "preocupante".
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Além disso, o documento propõe fortalecimento das políticas públicas de atenção à saúde dos povos indígenas como uma forma de reparação coletiva e a "criação de grupo de trabalho no âmbito do Ministério da Justiça para organizar a instrução de processos de anistia e reparação aos indígenas atingidos por atos de exceção, com especial atenção para os casos do Reformatório Krenak e da Guarda Rural Indígena".
Sobre memória e informação, o relatório lança luz sobre o fato de que a desinformação perpetua as violações dos direitos indígenas, por isso se faz necessário a promoção de campanhas nacionais de formação à população, assim como a inclusão da temática das “graves violações de direitos humanos ocorridas contra os povos indígenas entre 1946-1988” no currículo oficial da rede de ensino, fomento à pesquisa sobre os direitos desses povos e sistematização dos dados para divulgar à população.
"Salvo a recomendação a respeito da disponibilização dos arquivos levantados e/ou produzidos pela CNV no âmbito do eixo temática de perseguição às populações originárias, que foram enviados ao Arquivo Nacional e por ele disponibilizado na plataforma Memórias Reveladas junto aos demais arquivos da Comissão, observa-se graves retrocessos em relação a todas as recomendações elencadas, agravadas a partir de 2019", informa o relatório.
Entre as ações que contribuíram para o retrocesso dessas recomendações estão o crescimento dos índices de invasões de terras indígenas a partir de 2020, aumento dos ataques e mortes povos originários por parte de garimpeiros, posseiros e latifundiários, assim como a paralisação e revisão das demarcações.
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Outros pontos do relatório
Ainda segundo o relatório, as setes recomendações sobre os direitos da população LGBTQIA+ foram cumpridas parcialmente. "Dentre as que carecem de efetivação, destacam-se: a realização de pedido oficial de desculpas do Estado pelas violências, cassações e expurgos cometidos contra homossexuais em ato público construído junto ao movimento LGBTQIA+, a necessária reparação e construção de lugares de memória dos segmentos LGBTQIA+ ligados à repressão e à resistência durante a ditadura", diz o documento.
A análise das recomendações pelo Instituto Vladimir Herzog foram feitas até 2022. "Chama a atenção a ausência de um olhar direcionado às violências sofridas pela população negra durante a ditadura. Tema pouco abordado até mesmo pela literatura especializada, negros e negras também foram alvo de violações de direitos humanos naquele período. Aliás, repressão é termo frequente na história das experiências negras no Brasil desde 1530, quando aportou o primeiro grupo de africanos a serem escravizados no país. Essa é a principal lacuna identificada no trabalho da CNV, o que não diminui a importância do órgão", acrescenta o texto.
Nesta quarta-feira (26/4), o relatório Fortalecimento da democracia, monitoramento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, será entregue em audiência pública solicitada pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR), da Câmara dos Deputados, e contará com a participação do ministro Silvio Almeida.
Veja quais são as 29 recomendações da CNV:
- Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela
ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985); - Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais;
- Proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e judiciais de regresso contra agentes públicos autores de atos que geraram a condenação do Estado em decorrência da prática de graves violações de direitos humanos;
- Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964;
- Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos;
- Modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para promoção da democracia e dos direitos humanos;
- Retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos;
- Retificação de informações na Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) e, de forma geral, nos registros públicos, como a manutenção de banco que contenha amostra do DNA de toda pessoa sepultada sem identificação, de modo que seus restos mortais possam vir a ser localizados por seus familiares;
- Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura;
- Desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis;
- Fortalecimento das Defensorias Públicas;
- Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso;
- Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e nos órgãos a ele relacionados;
- Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais;
- Garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas de graves violações de direitos humanos;
- Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação;
- Apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos;
- Revogação da Lei de Segurança Nacional;
- Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado;
- Desmilitarização das polícias militares estaduais;
- Extinção da Justiça Militar estadual;
- Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal;
- Supressão de referências discriminatórias das homossexualidades na legislação;
- Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão;
- Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal;
- Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV;
- Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos
- Preservação da memória das graves violações de direitos humanos;
- Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar.
O relatório pode ser acessado na íntegra neste link.