Pode parecer incomum, mas a infidelidade no casamento e outros tipos de traição podem gerar multa se uma punição for combinada através de um acordo antenupcial. Com o documento, é possível definir termos de casamento, incluindo questões financeiras e outras cláusulas importantes. Foi o que fez um casal de Belo Horizonte neste ano, colocando uma multa de R$ 180 mil em caso de traição.
Na justiça, os noivos argumentaram que a indenização é "pelo possível constrangimento e vergonha que pode passar aos olhos da sociedade". O documento foi validado pela juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, titular da Vara de Registros Públicos de Belo Horizonte, em janeiro deste ano, autorizando a inclusão da cláusula de multa no contrato.
Como sugerido pelo nome, o pacto antenupcial deve ser formalizado antes das núpcias. Desde o Código Civil Brasileiro de 2002, o instrumento foi utilizado para reger — de forma particular — o patrimônio dos indivíduos que vão se casar, distinguindo o que é bem do casal e o que é particular de cada um, dentre outros aspectos. “Historicamente, este é um instrumento alternativo aos regimes legais de bens do casamento, utilizado para situações em que o casal não quer aderir a uma forma previamente prevista pela lei”, destaca a especialista em direito da família do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Carolina Jatobá.
Como a regra do pacto é a liberdade entre as partes, não há impedimento jurídico para adotar temas complementares ao relacionamento, como é o caso da multa por traição, dentre outros aspectos sobre frutos, consequências e impactos da relação.
Nas relações monogâmicas, a traição figura como quebra da fidelidade e sofrimento psíquico. A especialista frisa a importância que seja um ponto convergente entre os noivos e que haja proporcionalidade com os efeitos desejados, com valores relevantes para o patrimônio do casal.
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“Embora tenha um efeito previamente desestimulador, a multa não pode impedir efetivamente a ocorrência do fato. Neste caso, a multa aparece como uma contraprestação ou consequência previamente sabida, diante do ato do parceiro”, afirma Carolina. Para a docente do Ceub, essa cláusula deve ser discutida e acordada de forma consensual e ser elaborada com cautela, sendo que a a validade pode depender de diversos fatores, como a proporcionalidade em relação às condições financeiras do casal.
Entre outros pontos que podem ser incluídos no pacto antenupcial está o respeito à privacidade. "A privacidade é projeção da individualidade e esfera privada indeclinável. Embora alguns líderes religiosos e coaches de relacionamentos digam que não há privacidade entre casados, mas há, sim", pontua Jatobá. A advogada lembra que não é legalmente viável negociar guarda de filhos, sua assistência e alimentos, mas que é possível compartilhar a tutoria de pets.
Vale ressaltar que não podem ser acordadas cláusulas contrárias à lei, que possam atingir a dignidade dos parceiros ou trazer prejuízos financeiros, contrários à lei, ou até emocionais. Embora seja discutido na liberdade, o pacto é um documento formal, que deve ser realizado antes do casamento em Cartório de Notas com lavratura do acordo na forma de escritura pública com remessa para o Ofício de Registros de Pessoas Naturais onde ocorre a habilitação para o casamento.
Bens patrimoniais
O pacto pode ter efeito sobre todo o patrimônio do casal, mas também a relação do casal com terceiros (em caso de compra e venda, doações etc.), e o pacto antenupcial só se torna válido perante a formalização no Registro de Imóveis no domicílio do casal em livro especial. “É recomendado que seja feita averbação nos Registros de Imóveis de cada bem que o casal traz para a relação, para que não haja questionamento de não conhecimento por terceiros, nos atos de alienação, disposição e garantia”, explica a advogada.
Para realizar o acordo, ambas as partes devem ser maiores, capazes e estarem no exercício de suas amplas liberdades e devem, preferencialmente, procurar um advogado especializado. Jatobá reforça que é preciso avaliar, para além dos aspectos jurídicos, se há conforto na decisão. “Caso a relação com a família de origem seja muito relevante, é importante discutir com eles também. Afinal, muitas vezes pais doam bens para o casal e isso precisa estar previamente claro para que não haja algum questionamento posterior”, recomenda.
De acordo com a especialista, o mais importante é que as partes alinhem as expectativas e os impactos da decisão. Até no âmbito privado da liberdade, há limites que devem ser considerados, como, por exemplo, reconhecimento de filhos, assistência mútua, liberdades, privacidade, sexualidade do parceiro e outros temas que acabam sendo discutidos ao longo da relação.