DIREITOS HUMANOS

Recomendações da CNV sobre direitos indígenas estão em retrocesso, diz relatório

Relatório do Instituto Vladimir Herzog monitora as recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade sobre as violações dos direitos humanos pelo Estado brasileiro

Aline Gouveia
postado em 26/04/2023 16:43 / atualizado em 17/07/2023 11:57
O documento propõe fortalecimento das políticas públicas de atenção à saúde dos povos indígenas  -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)
O documento propõe fortalecimento das políticas públicas de atenção à saúde dos povos indígenas - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press)

O Instituto Vladimir Herzog divulgou, nesta quarta-feira (26/4), um relatório de monitaramento das 29 recomendações feitas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) aos Três Poderes da República. A CNV foi instituída em 2012 para investigar as violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, no Brasil. Segundo o documento, as 13 recomedações sobre os direitos dos povos indígenas estão em retrocesso.

"Destaca-se a importância da instalação de uma Comissão Nacional Indígena da Verdade, da realização de um pedido público de desculpas do Estado brasileiro aos povos indígenas pelo esbulho das terras indígenas e pelas demais graves violações de direitos humanos ocorridas sob sua responsabilidade direta ou indireta durante a ditadura, e a necessidade de promoção de políticas sobre os direitos e a história dos povos indígenas", pontua o relatório.

As recomendações da CNV foram divididas em quatro categorias: realizadas, parcialmente realizadas, não realizadas e retrocedidas. Seguindo este critério, das 29 orientações, apenas 2 foram realizadas (7%) e 6 parcialmente realizadas (21%). As não realizadas e retrocedidas são maioria, sendo 14 não realizadas (48%) e 7 retrocedidas (24%). Segundo o Instituto Vladimir Herzog, o cenário é "preocupante".

Além disso, o documento propõe fortalecimento das políticas públicas de atenção à saúde dos povos indígenas como uma forma de reparação coletiva e a "criação de grupo de trabalho no âmbito do Ministério da Justiça para organizar a instrução de processos de anistia e reparação aos indígenas atingidos por atos de exceção, com especial atenção para os casos do Reformatório Krenak e da Guarda Rural Indígena".

Sobre memória e informação, o relatório lança luz sobre o fato de que a desinformação perpetua as violações dos direitos indígenas, por isso se faz necessário a promoção de campanhas nacionais de formação à população, assim como a inclusão da temática das “graves violações de direitos humanos ocorridas contra os povos indígenas entre 1946-1988” no currículo oficial da rede de ensino, fomento à pesquisa sobre os direitos desses povos e sistematização dos dados para divulgar à população.

"Salvo a recomendação a respeito da disponibilização dos arquivos levantados e/ou produzidos pela CNV no âmbito do eixo temática de perseguição às populações originárias, que foram enviados ao Arquivo Nacional e por ele disponibilizado na plataforma Memórias Reveladas junto aos demais arquivos da Comissão, observa-se graves retrocessos em relação a todas as recomendações elencadas, agravadas a partir de 2019", informa o relatório.

Entre as ações que contribuíram para o retrocesso dessas recomendações estão o crescimento dos índices de invasões de terras indígenas a partir de 2020, aumento dos ataques e mortes povos originários por parte de garimpeiros, posseiros e latifundiários, assim como a paralisação e revisão das demarcações.

Outros pontos do relatório

Ainda segundo o relatório, as setes recomendações sobre os direitos da população LGBTQIA+ foram cumpridas parcialmente. "Dentre as que carecem de efetivação, destacam-se: a realização de pedido oficial de desculpas do Estado pelas violências, cassações e expurgos cometidos contra homossexuais em ato público construído junto ao movimento LGBTQIA+, a necessária reparação e construção de lugares de memória dos segmentos LGBTQIA+ ligados à repressão e à resistência durante a ditadura", diz o documento.

A análise das recomendações pelo Instituto Vladimir Herzog foram feitas até 2022. "Chama a atenção a ausência de um olhar direcionado às violências sofridas pela população negra durante a ditadura. Tema pouco abordado até mesmo pela literatura especializada, negros e negras também foram alvo de violações de direitos humanos naquele período. Aliás, repressão é termo frequente na história das experiências negras no Brasil desde 1530, quando aportou o primeiro grupo de africanos a serem escravizados no país. Essa é a principal lacuna identificada no trabalho da CNV, o que não diminui a importância do órgão", acrescenta o texto.

Nesta quarta-feira (26/4), o relatório Fortalecimento da democracia, monitoramento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade, será entregue em audiência pública solicitada pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR), da Câmara dos Deputados, e contará com a participação do ministro Silvio Almeida.

Veja quais são as 29 recomendações da CNV:

  • Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela
    ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985);
  • Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais;
  • Proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e judiciais de regresso contra agentes públicos autores de atos que geraram a condenação do Estado em decorrência da prática de graves violações de direitos humanos;
  • Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964;
  • Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos;
  • Modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para promoção da democracia e dos direitos humanos;
  • Retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos;
  • Retificação de informações na Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) e, de forma geral, nos registros públicos, como a manutenção de banco que contenha amostra do DNA de toda pessoa sepultada sem identificação, de modo que seus restos mortais possam vir a ser localizados por seus familiares;
  • Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura;
  • Desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis;
  • Fortalecimento das Defensorias Públicas;
  • Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso;
  • Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e nos órgãos a ele relacionados;
  • Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais;
  • Garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas de graves violações de direitos humanos;
  • Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação;
  • Apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos;
  • Revogação da Lei de Segurança Nacional;
  • Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado;
  • Desmilitarização das polícias militares estaduais;
  • Extinção da Justiça Militar estadual;
  • Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal;
  • Supressão de referências discriminatórias das homossexualidades na legislação;
  • Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão;
  • Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal;
  • Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV;
  • Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos
  • Preservação da memória das graves violações de direitos humanos;
  • Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar.

O relatório pode ser acessado na íntegra neste link.

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