queda do voo 447

Justiça absolve Airbus e Air France por acidente que matou 228 pessoas em 2009

Apesar de admitirem "falhas", juízes não viram homicídio culposo no acidente com jato que, em 2009, matou 228 pessoas — 58 brasileiras

Victor Correia
postado em 18/04/2023 03:55 / atualizado em 18/04/2023 09:35
 (crédito: Marinha do Brasil/AFP)
(crédito: Marinha do Brasil/AFP)

A Justiça da França absolveu, ontem, a montadora francesa de jatos comerciais e militares Airbus e a Air France do crime de homicídio culposo pela tragédia do voo 447, que, em 2009, caiu no Oceano Atlântico quando fazia a rota entre Rio de Janeiro e Paris. O tribunal de Paris entendeu que, embora as companhias tenham cometido "falhas", não teria sido possível estabelecer "relação de causalidade" com a queda da aeronave, que matou 228 pessoas — 58 delas brasileiras.

Segundo a corte, a Airbus cometeu "quatro imprudências ou negligências". As maiores foram, segundo a sentença, a falta de troca dos sensores pitot dos modelos A330 — mesmo modelo do jato que caiu — e A340, além de "reter informações". Já a Air France teria cometido uma "imprudência" pela forma de comunicação aos seus pilotos sobre a falha dos sensores. O congelamento da sonda, que fica na parte externa da aeronave, é apontado como o motivo da tragédia.

O julgamento na esfera criminal, porém, absolveu as empresas do crime de homicídio culposo — quando não há intenção de matar. "Uma ligação causal provável não é suficiente para caracterizar um crime", disse Sylvie Daunis, um dos três juízes do caso depois do julgamento.

O julgamento foi atribulado. Em 2019, 10 anos depois da tragédia, os promotores públicos franceses decidiram derrubar a acusação contra as empresas. Mas um recurso impetrado pelos parentes das vítimas fez com que o caso fosse retomado em 2021.

Em dezembro do ano passado, em nova derrota para as famílias, a promotoria decidiu não cobrar a condenação da Airbus e da Air France, alegando que a culpa das duas "parece impossível de provar". Os promotores apontaram, ainda, responsabilidade dos pilotos, também mortos no acidente, e não das empresas.

Com o resultado, parentes das vítimas que acompanharam o julgamento em Paris ficaram chocados. "Esperávamos um veredicto imparcial, não foi o caso. Estamos enojados. Em 14 anos de espera, nada resta além de desesperança, consternação e raiva", disse Danièle Lamy, presidente da associação Entraide et Solidarité AF447, que reúne as famílias dos 61 franceses mortos no acidente, nacionalidade com maior número de vítimas — o Brasil teve o segundo maior número de óbitos (58).

"Nos dizem: 'Responsáveis, mas não culpados'. É claro que esperávamos a palavra 'culpados'", afirmou Alain Jakubowicz, advogado da Entraide et Solidarité. David Koubbi, outro advogado dos parentes, disse que "a decisão é um obstáculo para o luto".

A Airbus e a Air France se defenderam ao afirmarem que entendem a dor das famílias, e que estão comprometidas com a segurança da aviação. Embora tenham sido absolvidas na ação criminal, um processo separado, na esfera civil, julgou a montadora de aviões e a transportadora responsáveis pela tragédia. O valor da indenização a ser pago pelos dois complexos empresariais às famílias das vítimas deve ser divulgado em setembro deste ano.

"França não é um país sério", diz pai de vítima

O presidente da Associação dos Familiares das Vítimas do Voo 447, Nelson Faria Marinho, recebeu com indignação a decisão da Justiça francesa de absolver a Air France e a Airbus do crime de homicídio corporativo culposo. Ao Correio, classificou a decisão como “absurda” e frisou que “a França não é séria”. Ele perdeu o filho na tragédia.

“(A decisão) Foi o que eu não esperava. Esperava que eles se espelhassem na Boeing americana, que é muito mais séria. Sobre o 737 Max, decidiram que ele não sairia do solo enquanto não resolvessem o problema. Só culpam o piloto, que não tem culpa de nada. O problema foi só no mecanismo mesmo, eu posso te afirmar isso. Mas a decisão deles (da Justiça francesa) foi absurda”, criticou.

O presidente da associação de parentes das vítimas destacou que o filho, Nelson Marinho, foi criado em Brasília, e ressaltou que já morou no Gama, na 203 Sul, no Guará 1, Guará 2 e no Lago Norte. Para ele, os juízes franceses são parciais, uma vez que são pagos pelo governo do país que sedia ambas as empresas. A Airbus foi formada em conjunto por várias empresas europeias, e a Air France foi fundada na França. Ele comparou a situação dos dois conglomerados com a da Boeing, americana, que concordou em pagar indenizações de US$ 2,5 bilhões pela queda de dois aviões modelo 737 Max. “Os americanos foram muito responsáveis e os franceses, muito irresponsáveis”, avaliou.

“Quero rebater a frase do Charles de Gaulle (ex-presidente da França entre 1959 e 1969), que disse que ‘o Brasil não é sério’. A França não é séria. Ela está contradizendo toda a revolução, a Bastilha, e eles são altamente capitalistas. Eles estão botando o dinheiro à frente da vida das pessoas”, lamentou.

O voo Air France 447 caiu na noite de 1º de junho de 2009, no Oceano Atlântico, horas após decolar do Rio de Janeiro rumo a Paris. Os 216 passageiros e 12 tripulantes morreram, incluindo 58 brasileiros. Ao todo, o Airbus A330 levava pessoas de 33 nacionalidades. As caixas pretas foram localizadas apenas dois anos depois do acidente. “O primeiro defeito foi o do radar, que detecta tempestades, e eles seguiram em frente. Todos os aviões desviaram daquela tempestade, só do Air France foi em frente. Depois, o sensor pitot congelou, e o avião foi para o chão. Almoçando com 80 pilotos do mundo inteiro, todos falaram a mesma coisa— que o avião tem defeito. Quando atinge o computador de bordo, ele cai”, acusou.

Questionado sobre o que a associação fará sobre a decisão da Justiça francesa, Nelson respondeu que ainda não sabe se cabe recurso contra a decisão. “Se houver, com certeza vamos recorrer. Todas as associações de familiares vão, a nossa, a francesa, a da Alemanha”, garantiu.

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