Como parte das comemorações do Dia Mundial da Água, celebrado no mês passado, a organização não-governamental WWF, em parceria com a GlobeScan e a Circle of Blue, fez uma pesquisa para descobrir como as populações de 17 países lidam com a possibilidade da falta de um bem tão necessário à vida humana. Os resultados surpreenderam os organizadores da pesquisa. Países com reservas extensas de água, como México, Colômbia e Brasil, têm uma população mais preocupada com uma eventual escassez, enquanto nações com menos recursos hídricos, como Hong Kong, Japão e Coreia do Sul, nem sequer figuram entre as 10 mais receosas com a falta do recurso.
No caso do Brasil, 81% das pessoas que participaram da sondagem afirmaram que estão preocupadas com a falta de água no dia a dia, mesmo considerando que o país possui a maior quantidade disponível de água doce do mundo (12%). De acordo com as organizações que financiaram o estudo, a razão principal para a preocupação é que 40% dos entrevistados disseram já ter sido prejudicados por secas, e apenas 15% afirmaram não serem afetados pela falta de água potável.
Além disso, uma parcela ainda maior de brasileiros (84%) diz estar muito preocupada com a poluição dos rios. A média global é de apenas 62%. A pesquisa também identificou que somente 5% dos brasileiros consideram não serem afetados pelas mudanças do clima. E para 68% a alta no preço dos alimentos causados por episódios climáticos afetam a rotina diária.
Para a diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, as situações de seca em diferentes regiões do país, principalmente em áreas produtoras de alimentos, geram maior receio em regiões onde o racionamento se tornou quase uma rotina.
"Áreas muito adensadas, como a Bacia do Rio Paraná, que envolve as grandes capitais São Paulo e Curitiba, vêm enfrentando problemas de escassez hídrica. Curitiba ficou quatro anos sofrendo com racionamento de água. A região metropolitana de São Paulo, desde 2014, sempre está nos noticiários com as preocupações com o sistema Cantareira", considera a especialista.
O sistema Cantareira abastece a maior cidade da América Latina e, em 2014, atingiu o nível mais baixo de sua história. "A sociedade, pela primeira vez, ouviu falar em volume morto de reservatórios e da disputa entre os setores de abastecimento de água, energia elétrica, hidrovias e irrigação nessas regiões extremamente ativas do ponto de vista econômico", observa Malu Ribeiro.
A diretora explica que as mudanças climáticas geram receio na população, tanto pela falta de água, quanto pelo excesso dela. Um exemplo foram as chuvas fortes no primeiro trimestre deste ano, principalmente no litoral norte de São Paulo, onde pelo menos 65 pessoas morreram. "Então, nós temos no país uma mesma região enfrentando secas, com um problema grave de escassez por conta das atividades econômicas e, em áreas urbanas, uma enchente causada por um temporal que, em 15 minutos, afetou milhares de pessoas."
Desigualdades
Um dos principais motivos apontados por especialistas para a disparidade entre o Brasil e países economicamente mais desenvolvidos em torno da preocupação com o acesso à água se deve à desigualdade de distribuição do recurso.
Especialista em conservação do WWF-Brasil e envolvida no estudo global, Helga Correa explica que, quando se observa o mapa de distribuição da água no país, o que se percebe é que rios e grandes cursos d'água responsáveis pelo abastecimento de todas as regiões vêm secando e, paralelamente, a superfície de água de reservatórios artificiais está aumentando. Com isso, ela afirma que há dificuldades em torno do abastecimento de reservas coletivas, que não são tão perceptíveis nos reservatórios artificiais que, muitas vezes, não têm caráter público.
"O que a gente vê, na verdade, é que têm se acentuado as dificuldades para garantir água de boa qualidade à população, e parte disso ocorre por falta de cuidado com o meio ambiente. Com isso, diminui a disponibilidade da água nos sistemas que seriam de uso coletivo", afirma Correa.
Em relação ao cuidado e à preservação da água, a especialista do WWF explica que a modificação dos padrões de uso do solo vem contribuindo tanto para a redução de disponibilidade de água quanto para as mudanças climáticas. Uma parte significativa dessa alteração ocorre devido a manejos incorretos da terra por produtores.
"Então, quando há uma chuva forte, a água, em vez de entrar no solo e ficar disponível ali durante o ano todo, cai em solo descoberto, ou com vegetação que não consegue absorvê-la, ou em áreas pavimentadas das cidades. Essa água passa rápido, causa enchentes e provoca perdas", esclarece.
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Sustentabilidade
Pesquisadores têm se aprofundado no tema do uso correto do solo. O pesquisador Lineu Rodrigues, da Embrapa Cerrados, destaca alguns projetos da empresa no âmbito da preservação da água. Entre eles, o uso de um modelo de simulação para fazer previsões climáticas e avaliar o impacto nos recursos hídricos.
Através da combinação de modelos climáticos e hidrológicos, os pesquisadores conseguem realizar projeções para otimizar o uso do solo sem comprometê-lo no futuro ou impedir que a água tenha seu ciclo natural dentro da terra. "Essa é a linha que a gente usa dentro da área, pegando toda essa quantidade de dados e usando inteligência artificial para melhorar a tomada de decisão dos produtores", explica.
Além disso, os pesquisadores têm se empenhado na utilização de sensores para avaliar a umidade do solo e, com isso, possibilitar uma irrigação na quantidade correta, no momento certo, evitando desperdícios. Há também, estudos de avaliação da demanda hídrica das culturas, com o intuito de otimizar o manejo das lavouras e o uso da água. "E o trabalho de campo mesmo, que é capacitação e treinamento dos produtores para que possam utilizar essas tecnologias e, com isso, melhorar a eficiência na aplicação e usar menos água", conclui o pesquisador.
*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo
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