Criatividade, atividades econômicas com baixo impacto ambiental e inclusão social são três pilares que ganham espaço em todo planeta. Dentro desse universo, com a maior floresta tropical, a Amazônia, e a maior biodiversidade do mundo — 40% das espécies conhecidas estão em território nacional —, há no Brasil um potencial de reduzir emissões e investir em inovação na área de produtos naturais — e há quem esteja fazendo isso sem depender de grandes empresas.
As populações ribeirinhas — que moram nas margens dos rios e vivem a partir dos frutos dados pela natureza — são o melhor exemplo de quem, por meio de atividades econômicas, desenvolvem um trabalho de manutenção da floresta.
“A explosão de criatividade e talento do povo brasileiro pode ser enxergada perfeitamente nas comunidades ribeirinhas. É muito interessante ver, por exemplo, a produção de conteúdo de audiovisual feita por jovens adolescentes em comunidades no meio da floresta. E não termina por aí, temos diversos outros exemplos. As populações quando produzem biojóias, acessórios, grafismos, a partir de sementes e fibras naturais traduzem a cultura do local em que estão inseridos e também encontram uma forma de geração de renda", afirma Virgílio Viana, superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).
Pertencente ao povo Kaixana, o estilista amazonense Mauricio Duarte, 28 anos, criou uma marca de roupas — que leva o nome dele — formada por peças embasadas nas manualidades dos povos originários. Ele trabalha no conceito "slow fashion", que defende uma produção "mais lenta" da moda, com respeito ao meio ambiente — o oposto da "fast fashion", onde as peças são feitas em grandes quantidades e com uma visão descartável.
"A minha mãe e o meu pai são artesãos. Então eu vivenciei na minha infância o desenvolvimento de produtos, eventos, de feiras colaborativas organizadas pela Secretaria do Trabalho e mais. Enfim, esse pensamento coletivo já era muito presente. No início do meu trabalho, quando eu fui para São Paulo em 2016, eu percebi que as pessoas conheciam muito pouco sobre o Amazonas, sobre as potências de Manaus, elas só sabiam que (as peças) chegavam até elas. Não sabiam sobre nomes de fibra, sobre qual povo exatamente fazia certo tipo de trabalho. Desde o começo da minha graduação, trabalho com a minha identidade indígena", conta o estilista.
Em 2022, Duarte foi estreante da 54ª edição da São Paulo Fashion Week. À época, apresentou um filme com imagens capturadas e produzidas em Manaus e nas proximidades da floresta amazônica. O material foi produzido por profissionais amazonenses, indígenas ou racializados e traz registros de locações amazônicas, dentre elas a comunidade ribeirinha do Tumbira. A narrativa é construída a partir de lembranças e vivências de Maurício em a infância, dos caminhos da floresta e banhos em igarapés.
“Poder falar do meu lugar de origem contando as nossas histórias sem que alguém precise contar pela gente, acho que foi um ponto muito bonito dessa estreia no São Paulo Fashion Week, porque realmente a gente cansou já de ver pessoas vindo para Amazonas para se inspirar na cultura para falar sobre o nosso lugar de origem, mas sem nos inserir, só com as suas experiências, que muitas vezes curtas na região, para falar sobre o nosso trabalho”, afirma Duarte.
A relação entre sustentabilidade e economia: combinação que dá certo
Virgílio Viana, da FAS, destaca a importância da relação entre sustentabilidade e economia criativa, dada a capacidade de valorização econômica da floresta em pé, uma vez que ela é capaz de fazer com que os produtos da floresta tenham mais valor. “O desmatamento só vai ser vencido se fizermos com que todo o potencial econômico sustentável que pode ser gerado da floresta tenha mais valor do que a alternativa dela derrubada”. Ele também destaca que a economia criativa consegue gerar melhor qualidade de vida para membros de comunidades ribeirinhas. “Além de gerar prosperidade e valorizar a floresta em pé, que é o principal desafio da conservação da Amazônia”, diz.
Artesã e fundadora do grupo de artesanato Entrelaçando Gerações, na comunidade ribeirinha Tumbira, — a cerca de três horas de barco de Manaus —, Lucineide Garrido, 52 anos, começou em 2013 a vender peças de artesanato feitos a partir dos cachos de bacaba, uma palmeira da região. A matéria prima é coletada na floresta por famílias ribeirinhas e indígenas amazonenses. "O meu trabalho vem através da sustentabilidade onde os recursos da natureza evidente trazem o sustento e renda, dando suporte a minha marca, Entrelaçando Gerações”, conta a artesã.
Neide, como é mais conhecida, conta que o artesanato foi uma saída diante da falta de alternativas de renda na região. Antes da criação da unidade de conservação de Tumbira, em 2008, a extração de madeira era a principal fonte econômica da família, uma vez que o marido dela era madeiro. “Nesse período, a nossa comunidade começou a receber muitos turistas que queriam artesanato. Para conseguir atender os nossos visitantes, fomos estudando os gostos, o que as pessoas queriam e percebemos que eles gostavam muito daquilo que era produzido aqui dentro da Reserva, porque é algo significativo”, conta a artesã.
Atualmente, o grupo de artesanato de Neide é composto por mais de 90 pessoas. Desde 2019, as peças de Neide são vendidas não só diretamente aos turistas, mas também pela internet, dando a possibilidade dos artesanatos alcançarem um público maior do que os visitantes das unidades de conservação onde vivem. “Ainda tenho muito a melhorar, mas já sinto esperançosa e agradecida a todos que contribuem na compra de meus produtos”, afirma Neide.
Ana Carla Fonseca, especialista em economia criativa e sócia da consultoria Garimpo de Soluções, diz que o potencial da economia criativa em transformar a qualidade de vida dos ribeirinhos é oriunda pelo fato de existir todo uma lógica de valor em cima do conhecimento que eles têm do local onde vivem, da decodificação desses universos e de um olhar sistêmico sobre muitos que são os desafios globais.
Ademais, Fonseca enfatiza que a economia criativa desperta uma sensação de pertencimento por meio da autoestima. “As pessoas têm que acreditar naquilo que estão fazendo e você conseguir pagar as suas contas, ser reconhecida pelos outros como aquilo que está fazendo ter um valor, obviamente é importantíssimo para a autoestima e isso é um processo super potente para engendrar esses novos caminhos de desenvolvimento regionais, porque você acaba conseguindo articular as pessoas a partir do que elas fazem… Não tem como você trabalhar o empreendedorismo criativo, se as pessoas não acreditarem que essas mudanças são possíveis e não acreditarem no valor do que elas estão fazendo”.
*Estagiária sob supervisão de Pedro Grigori
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