Jornal Correio Braziliense

TRAGÉDIA

Assassinos que desafiam a polícia de Minas: perfil de quem vive para matar

Execução de Pedrinho Matador, tido como maior serial killer do país, chama a atenção para outros homicidas mineiros, que agem por psicopatia ou dinheiro

Os anos passam e as atrocidades cometidas por assassinos em série e matadores de aluguel desafiam a polícia, normalmente só ganhando destaque quando são enfim descobertos, morrem, são soltos ou nas orações diárias dos órfãos e cônjuges separados de pessoas queridas pela tragédia.

Foi assim com Pedro Rodrigues Filho, de 68 anos, o Pedrinho Matador, morto no primeiro domingo de março (05/03) e cujas condenações por homicídios beiravam 130 anos. Mas o caso dele está longe de ser exceção. Levantamento na história recente da criminalidade em Minas mostra que há muitos outros, mas cujos crimes não tiveram tanta projeção.

Há casos de psicopatas como Marcos Antunes Trigueiro, de 44 anos, que se tornou conhecido como o “Maníaco do Industrial” e recebeu condenação até maior que a de Pedrinho Matador por seus crimes: 160 anos. Preso desde 2010, o criminoso foi responsável – até onde se sabe – pelas mortes de cinco mães de família, em Belo Horizonte, Contagem e Ibirité, estas últimas na região metropolitana.

Natural de Brasília de Minas, no Norte do estado, Marcos Trigueiro ganhou o apelido de Maníaco do Industrial por ter matado por enforcamento, roubado os telefones celulares e violentado cinco jovens mães em um polígono em torno do bairro da Região do Barreiro, entre abril de 2009 e outubro de 2010.

A equipe do Estado de Minas conseguiu detalhes das investigações com policiais que atuaram no caso até a prisão do maníaco, em 2010, mas que não podem dar declarações oficialmente por ainda estarem na ativa.

“Foi um caso para o qual a polícia não estava preparada. Por muito tempo, a Polícia Civil tratava aquelas mortes como casos separados. Achava-se que um era um crime de vingança, outro passional e em outro havia um cabo da Polícia Militar como suspeito”, diz um dos investigadores.

Segundo ele, foram necessárias reuniões com todo o comando de policiamento da Grande BH para mostrar que o perfil das vítimas era igual: morenas, bonitas e sozinhas, todas mortas no entorno do Bairro Industrial, como descreve o agente que participou dos levantamentos e da prisão do psicopata.

A primeira vítima de Trigueiro foi a comerciante Ana Carolina Menezes Assunção, de 27 anos. Ela foi abordada pelo maníaco em 17 de abril de 2009, quando estava com o filho de 1 anos e 6 meses dentro do carro. Marcos a levou para um campo de futebol no Bairro João Pinheiro (Região Noroeste de BH), a estuprou e enforcou com um cadarço de tênis, deixando o bebê sobre o colo da mãe sem vida.

Cinco meses depois, em 17 de setembro, as investigações apontam que ele atacou Maria Helena Lopes Aguilar, de 49. Abusou da mulher e a enforcou com o cinto de segurança do carro dela. Em intervalos de cerca de dois meses, faria mais vítimas, apontam os trabalhos dos policiais.

Em 12 de novembro de 2009, a contadora Edna Cordeiro de Oliveira Freitas, de 35, foi enforcada com o próprio colar. Menos de 60 dias depois, em 7 de janeiro, a estudante Adina Feitor Porto, de 27, foi assassinada depois de sofrer abusado sexual. O maníaco voltaria a matar nove meses depois, indicam as investigações: em 7 de outubro, a comerciante Natália Cristina de Almeida Paiva, de 27, sofreu o mesmo destino nas mãos de Trigueiro.

De acordo com a fonte que participou dos trabalhos que resultaram na prisão do psicopata, vários elementos depois apontariam para Marcos Antunes Trigueiro, mas ele se tornou o principal suspeito pelo fato de roubar os celulares das vítimas. “Depois da reunião com todos os comandantes da Grande BH, o pessoal das ruas começou a cruzar casos de mulheres desaparecidas, com dias de semana, horários, perfil físico. Foi um momento de pressionar também informantes que temos nas comunidades e nas ruas”, relata o policial. “Foi um deles que trouxe a informação de que dois dos aparelhos roubados das vítimas e vendidos na loja do próprio informante tinham sido levados pelo Marcos”, acrescenta.

Celular de vítima foi dado à esposa

Ao averiguar a casa do suspeito, àquela altura o número um da lista, policiais encontraram mais um aparelho celular, de posse da esposa de Marcos. A mulher confirmou ter recebido o aparelho de presente do marido, mas jamais desconfiou que se tratava de um espólio de estupro e morte.
“Muitos achavam que ele guardava os celulares como troféus, mas não era nenhum ritual, ele queria vender mesmo. Depois, quando o conheci, senti que era um homem inconsequente. Parecia que não estava nem aí. Não mudou sua forma de agir nem mesmo quando os crimes começaram a ser divulgados. Antes, era tido como bom marido, bom fiel da igreja, bom vizinho, acima de suspeitas”, relata o investigador.

Hoje, o Maníaco do Industrial cumpre pena em ala separada dos criminosos comuns no Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves, Grande BH, segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG). No Brasil, o tempo máximo de prisão é de 30 anos, podendo chegar a 40 após avaliação do poder público, o que poderá resultar na libertação de Trigueiro em 28 anos, quando estiver com 73 anos, em 2051, assim como ocorreu com Pedrinho Matador, em 2018 – Pedro poderia ter sido liberado em 2007.

Degolado em SP

Conhecido como o mais violento assassino em série brasileiro, Pedrinho Matador nasceu em uma fazenda de Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas. Sua trajetória foi interrompida por cinco tiros que alvejaram o criminoso, que ainda foi degolado pelos executores em Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, quando visitava parentes. Ninguém foi preso ainda pelo crime que vitimou o mineiro, solto em 2018 após cumprir 42 anos da pena de 128 anos a que fora condenado. Dizia ter matado mais de 100 pessoas, apesar de as autoridades atribuírem à sua autoria 71 mortes conhecidas, entre elas as de 47 detentos em sua passagem pelo sistema prisional.

Executores que foram assassinados

Muitos notórios assassinos em série brasileiros acabaram mortos ao sair da cadeia, como Pedrinho Matador, executado em 5 de março deste ano, ou o chamado Bandido da Luz Vermelha, como era conhecido João Acácio Pereira da Costa (foto), assassinado em janeiro de 1998, aos 56 anos.

Profissionais ou psicopatas?

Um outro perfil de assassinos mineiros se destaca pelo número de vítimas, muitos deles figurando como criminosos das listas dos mais procurados do Ministério Público de Minas Gerais e da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública. “A polícia tem muita dificuldade de traçar perfis de matadores e diferenciar o crime de acerto de contas de um em que o assassino é um psicopata. Os matadores de quadrilhas são agentes específicos das gangues e não traficam drogas ou roubam carros. Matam quem os líderes determinam, e só. Os meios cruéis geralmente são recados ou para adquirir respeito e medo da comunidade”, afirma um policial que participou da prisão do Maníaco do Industrial e que não tem permissão para dar entrevistas.

O agente se lembra de casos que beiravam a psicopatia, mas que foram julgados como o de assassinos a mando de quadrilhas de traficantes. “Na região de Barbacena, por exemplo, prendemos um matador que era conhecido como ET. Tinha 15 homicídios de caminhoneiros que roubavam cargas e caminhões. Poderia matar com arma de fogo, mas gostava de usar uma chave de fenda, um requinte que lembra os psicopatas. Esse, já mataram”, relata.

O investigador se recorda do perfil de outro matador de aluguel, conhecido como Nadinho da Vila Ideal, em referência à comunidade de Ibirité, na Grande BH, que somava 30 mortes e se destacava pela crueldade. “Esse morreu também. Era tão ruim que, uma vez, chegou em um bar e deu miúdos para fritar e comer com o pessoal que estava bebendo. Depois, contou que eram órgãos de uma vítima dele”, conta.

Na lista de mais procurados dos órgãos de segurança pública há também outro perfil de matadores profissionais que não foram diagnosticados como psicopatas. Dois são da região de Mutum, na Zona da Mata. Um deles, Dionathan da Cruz Silva, de 36 anos, é suspeito de ter praticado pelo menos sete assassinatos e é investigado por outros, a mando de oligarcas e criminosos da região e do Espírito Santo. Foi detido em 20 de outubro de 2021, em Aimorés, no Vale do Rio Doce, depois de 13 anos foragido e acumulando 14 mandados de prisão.

Outro preso originário da mesma cidade que responde por vários homicídios por disputas familiares é Lucas Menezes da Cruz, também de 36 anos. De acordo com a polícia, seus crimes começaram depois de ele ter matado um tio e a namorada por suspeitar que os dois estavam tendo um caso. Outro tio e um primo mandaram matar o pai e o irmão de Lucas, dando sequência à série de assassinatos. Ele foi localizado em Betim, em 7 de janeiro de 2022. Tentou sem sucesso fugir com uma mochila contendo R$ 147 mil em dinheiro e uma pistola calibre 380.

Diferenças entre mentes criminosas

Estudo de pessoas e comportamentos que geram vítimas em série levam especialistas a diferenciar matadores profissionais de serial killers considerados psicopatas, como o mineiro Pedrinho Matador e o Maníaco do Industrial. De acordo com trabalho científico da unidade de análise de comportamento da Polícia Federal norte-americana, o FBI, os psicopatas com homicídios geralmente matam por uma combinação de razões psicológicas, que incluem “satisfação pessoal, poder e controle”. Já os assassinos de aluguel são movidos principalmente “pelo dinheiro, recompensas materiais e de poder”.
A Associação Norte-Americana de Psiquiatria destaca que outro traço é a seleção de vítimas. “Assassinos em série psicopatas geralmente escolhem suas vítimas aleatoriamente, embora muitas vezes tenham um tipo específico de vítima em mente. Já os assassinos profissionais têm como alvo uma pessoa específica ou grupo de pessoas e raramente matam alguém fora do seu alvo”, descreve a entidade.

O planejamento também é um traço que diferencia o comportamento dos dois perfis, segundo o Instituto Nacional de Justiça dos EUA. Os assassinos em série geralmente planejam seus crimes com antecedência e frequentemente criam um ritual em torno do ato. Os matadores de aluguel também planejam as execuções, mas tendem a ser mais pragmáticos e menos preocupados com rituais. Outro traço dentro desse comportamento é o nível de violência empregado, que no caso dos assassinos profissionais costuma ser o necessário para a morte, quando não se trata de um recado específico, segundo o Instituto.

O Centro Nacional de Análise de Crimes Violentos dos EUA destaca que os homicidas psicopatas têm traços psicológicos específicos “incluindo falta de empatia, manipulação, mentira patológica e comportamento antissocial”. “Assassinos profissionais podem não apresentar traços psicopáticos ou antissociais e podem não ter histórico de comportamento criminal”, descreve a entidade.