Violencia contra a mulher

'Tem que ter coragem', diz mulher que simulou pedir pizza para denunciar agressor

Em entrevista ao Estado de Minas, moradora de Salinas diz que quer inspirar outras vítimas a fazer o mesmo para se livrarem da violência doméstica

Luiz Ribeiro - Estado de Minas
postado em 17/03/2023 21:57 / atualizado em 17/03/2023 22:07
 (crédito: R.M/Arquivo pessoal)
(crédito: R.M/Arquivo pessoal)

“Sinceramente, quero inspirar outras mulheres a fazer o mesmo quando estiverem sendo agredidas pelos seus companheiros. Mas, para isso, é preciso ter coragem e atitude”, afirma a moradora de Salinas, R.M, de 42 anos, que, na noite da última quarta-feira (15/3) simulou um pedido de pizza ao telefonar para a Policia Militar para denunciar o companheiro violento, que acabou sendo levado para a delegacia. O caso ganhou ampla repercussão na imprensa.

Nesta sexta-feira (17/3), o Estado de Minas conseguiu localizar a moradora de Salinas, que aceitou falar com a reportagem, com exclusividade, desde que fosse mantida no anonimato. “Eu não esperava essa repercussão toda. Eu não quero exposição, principalmente, por causa de minhas filhas. Gosto de tranquilidade”, relata a vítima de violência doméstica.

Ajudante de cozinha, mas que está desempregada há quase três anos, desde o início da pandemia da COVID-19, ela é mãe de cinco filhas, sendo quatro de outro relacionamento. Natural da Bahia, passou grande parte da vida em Itabuna, outra cidade do estado vizinho. Há cerca de 23 anos, mudou-se para Salinas.

A mulher relatou que, na noite de quarta-feira, logo após chegar em casa, o companheiro dela, P. H, de 31 anos, trabalhador braçal, começou a gritar, questionando sobre onde ela teria ido. Ela disse que voltava de uma reunião de pais da escola onde estuda a filha do casal, de 3 anos.

Mesmo assim, o companheiro continuou violento, e foi iniciada uma discussão entre o casal. A moradora afirmou ele que a empurrou e os dois entraram em luta corporal, com ela machucando o ombro esquerdo.

“Eu caí. Quando eu estava no chão, ele colocou os joelhos no meu peito e apertou minha garganta”, detalhou a ajudante de cozinha desempregada. “Ai, chegou minha filha de três anos e pediu para ele parar de bater”, completa. Ainda segundo a vítima, na sequência, o companheiro agressor saiu correndo e foi para o quintal da casa.

“Eu falei para ele que iria ligar para a polícia. Que “isso não poderia ficar assim”. Ai, ele falou que (caso fizesse a ligação), iria me dar um soco para me derrubar”, relata a vítima. Revela também que, no meio da discussão, anunciou a intenção de separar. Mas ouviu a ameaça: "Me larga para você ver se eu não acabo com você?”.

Muçarela


A mulher disse que foi nesse momento que teve a ideia de acionar a policia pelo telefone, simulando a ligação para pedir pizza enquanto o companheiro violento estava no quintal da residência. “Lembrei que aqui em casa a gente sempre pedia pizza pelo telefone”, conta.

“Eu estava tremendo. Liguei para a Polícia (Militar) e falei: 'Eu gostaria de pedir uma pizza'. Aí o policial repetiu três vezes: “Aqui não é da pizzaria. É da policía”. Eu disse: “Moço, eu sei disso, mas mesmo assim eu gostaria de pedir uma pizza”, descreveu a ajudante de cozinha, ressaltando que o policial que atendeu ao chamado entendeu a linguagem em código.


“Aí, o policial disse: 'Me fala o nome da pizza'. Eu respondi: 'Muçarela'". Ela informou também que o policial militar perguntou quem mais estava na casa. "Eu disse: 'Com minhas filhas'”, afirma R.M.

Ainda segundo ela, o policial anunciou que a “pizza” chegaria dentro de dez minutos.

“Ele (o companheiro agressor) pulou a janela do meu quarto e perguntou: 'Você está pedindo pizza? Você não tem medo de apanhar mais não?'”, recorda a mulher.

Segundo ela, poucos minutos depois, uma equipe da PM chegou ao endereço, em um bairro humilde de Salinas, cidade conhecida como a “Capital da Cachaça”, efetuando a prisão do agressor. Ele foi levado para a delegacia de policial de Taiobeiras, mas, no dia seguinte, foi solto mediante pagamento de fiança, devendo cumprir medida protetiva, sendo proibido de se aproximar da ex-companheira.

“Graças a Deus, ele não me perturbou mais”, disse a mulher, submetida a exame de corpo delito em hospital de Salinas, sendo constatado que ela sofreu ferimentos no ombro, no braço esquerdo e nas pernas. Ela continua em recuperação, tomando antibióticos.

Polícia

Ao ligar para o 190, a vítima de violência doméstica foi atendida pelo soldado Santana, na sala de Operações da Segunda Companhia da Policia Militar de Taiobeiras. Imediatamente, ele acionou uma equipe da PM de Salinas (distantes 50 km de Salinas), que foi até o endereço da vítima.

Em entrevista ao Estado de Minas, a ajudante de cozinha desempregada R. M. disse que vivia o último companheiro havia seis anos. “No início, era tudo muito bom. Ele me tratava com muito carinho”, lembra a mulher.


Ela disse que em 2020, após um desentendimento, chamou a polícia diante de uma situação de violência doméstica. Os dois se separaram e se reconciliaram seis meses depois.

A mulher conta que ela e o companheiro ficaram noivos e marcaram casamento “com papel passado” para o mês que vem, porém, foi desmarcado por causa das agressões que sofreu. “Acho que isso (o rompimento, com o fim da situação de violência) é o amor de Deus por mim”, considera.

A moradora de Salinas confessou ainda que antes do episódio da última quarta-feira, sofreu agressão em casa pelo menos três vezes e tentou ligar para a polícia, mas foi impedida pelo companheiro, mediante ameaças. Agora, conseguiu o livramento da violência e a prisão do agressor depois de simular que estava ligando para pedir pizza enquanto estava acionando a PM.

A ajudante de cozinha afirma que pretende inspirar outras mulheres que sofrem violência doméstica a fazer o mesmo e usar códigos para escapar do sofrimento dentro do próprio lar. No entanto, ressalta que as vítimas precisam ter “coragem e atitude” para denunciar os companheiros, namorados ou maridos violentos.

“Espero que eu esteja ajudando muitas mulheres para ter coragem e atitude. Muitas vezes, as mulheres, mesmo sendo agredidas, não conseguem reagir porque dependem do companheiro ou marido. Então, elas precisam de apoio”, orienta a moradora de Salinas. “O atendimento que recebi da Polícia Militar do excelente”, conclui.

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