A tragédia da boate Kiss completou 10 anos em janeiro, mas está longe de um desfecho. O caso, agora, caminha para as instâncias superiores da Justiça, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF), após o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) suspender a sentença que condenou os quatro réus. O incêndio que resultou em 242 mortes corre o risco de provocar uma segunda tragédia: a impunidade.
Os quatro réus foram condenados, em dezembro de 2021, pelo crime de tentativa de homicídio com dolo eventual que provocou a morte das 242 vítimas em 2013. Os dois sócios da boate levaram as maiores penas: Elissandro Spohr foi condenado a 22 anos e 6 meses de reclusão, enquanto Mauro Hoffmann foi condenado a 19 anos e 6 meses. Já o vocalista da Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o assistente de palco da banda, Luciano Bonilha Leão foram condenados a 18 anos de reclusão cada.
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O julgamento, que durou 10 dias, foi anulado em agosto do ano passado. No dia 1º de março deste ano, porém, o TJRS admitiu os recursos do Ministério Público do RS (MPRS) que questionam a anulação do júri. Com isso, a decisão sobre o pedido de manter a condenação dos quatro réus ficará a cargo do STJ e do STF. O Supremo deve analisar o Recurso Extraordinário e o STJ o Recurso Especial.
Para as famílias e sobreviventes, a impunidade escancarada causa dor. "A falta de resposta gera uma desorientação generalizada a respeito da história, ocorrendo até a culpabilização das vítimas por conta da distância do acontecimento da vida das pessoas mais afastadas. Havendo resposta da justiça, há formas de inscrever a história de forma digna, com responsabilidade e criar garantias para que nunca mais aconteça", diz o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Gabriel Rovadoschi Barros.
Barros define a anulação concedida no ano passado como um "absurdo", e diz ter esperanças de que será revertida pelas Cortes. "Vivemos os efeitos e os danos da impunidade todos os dias. São familiares e sobreviventes não somente adoecendo, mas falecendo ao longo desses anos e sabemos que a falta de resposta é um fator crucial nesse adoecimento generalizado. A impunidade é um convite aberto a novas tragédias, visto que ser omisso, ser irresponsável e ganancioso não encontra punição e ainda é recompensado com vida, saúde e tempo, coisas que nos foram evisceradas e seguem sendo retiradas enquanto a incessante luta contra a impunidade precisar seguir", desabafa.
Relembre o caso
Em 27 de janeiro de 2013, durante o show da banda Gurizada Fandangueira, um artefato pirotécnico foi disparado de cima do palco, incendiando o teto da boate, que era feito de espuma. A casa noturna tinha apenas uma saída de emergência e as vítimas, a maioria de universitários entre 18 a 25 anos, não conseguiram deixar o local. As mortes foram provocadas por queimaduras, pisoteamento ou asfixia.
No inquérito, constatou-se que quatro elementos foram fundamentais para a tragédia: superlotação (no salão havia em torno de 900 pessoas, apesar de a capacidade da boate ser de 600); uso de uma espuma inflamável como isolamento acústico; o disparo do sinalizador no ambiente fechado; e o descumprimento de protocolos de emergência — havia somente uma saída de emergência, o alvará estava vencido e os extintores, com defeito. O pânico e a falta de saídas fez com que pessoas também morressem pisoteadas ao tentar deixar a boate.
As vítimas fatais foram veladas coletivamente em um ginásio na cidade. O governo federal decretou luto de três dias em todo o país e, à época, a presidente Dilma Rousseff cancelou compromissos de domingo e foi a Santa Maria prestar solidariedade aos parentes das vítimas.
Os quatro réus foram condenados, em dezembro de 2021, pelo crime de tentativa de homicídio com dolo eventual que provocou a morte das 242 vítimas em 2013.
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