Violência de gênero

Quase um terço de juízas e desembargadoras já sofreu assédio sexual

Levantamento mostrou que 27% já foram vítimas de assédio sexual e pelo menos 54,7% sofreram algum tipo de constrangimento ou discriminação no trabalho por serem mulheres

Ândrea Malcher
postado em 10/03/2023 03:55
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

O perfil das magistradas e o que elas enfrentam nos espaços de atuação profissional foi objeto de uma pesquisa conduzida pelo Centro de Pesquisas Judiciais da Associação dos Magistrados Brasileiros (CPJ/AMB). Divulgado no Dia Internacional das Mulheres, o relatório Perfil das Magistradas Brasileiras e Perspectivas Rumo à Equidade de Gênero nos Tribunais aponta que, entre juízas, desembargadoras e ministras de Tribunais Superiores, 27% já foram vítimas de assédio sexual e pelo menos 54,7% sofreram algum tipo de constrangimento ou discriminação no trabalho por serem mulheres. Das ações, 38,2% foram causadas por homens.

O levantamento foi realizado entre 22 de junho e 1º de agosto do ano passado e foi embasado em questionários, respondidos por 1.451 magistradas, na ativa ou aposentadas, e compostos por 103 questões, com perguntas abertas e fechadas. Os resultados revelaram características gerais das mulheres na carreira jurídica.

É o primeiro levantamento do Judiciário brasileiro com o recorte específico de gênero. Estiveram à frente da pesquisa as juízas Eunice Maria Batista Prado, Priscilla Pereira da Costa Corrêa, Mariana Rezende Ferreira Yoshida e Maria Domitila Prado Manssur.

"Essa pesquisa é fruto de um esforço coletivo para, mediante dados e evidências estatísticas seguras, apontar caminhos rumo à adequada representatividade feminina, dando uma efetiva contribuição prática ao aprimoramento do Poder Judiciário", observou Eunice Maria Batista Prado na apresentação do estudo.

O levantamento aponta que 48,7% das respondentes sofreram algum nível de preconceito ou discriminação no exercício da profissão, com 10,3% pela razão do cabelo, fenótipo ou tom da pele. Outros dados que chamam atenção é de que 99,2% das magistradas não ingressaram na graduação de direito por algum sistema de cotas, frente à constatação do relatório de que 79,7% das mulheres se identificam como brancas e 56,7% residem nas regiões Sudeste e Sul.

O relatório destaca a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 203, de 2015, que trata da reserva às pessoas negras de 20% das vagas nos concursos públicos para a magistratura, como uma das estratégias de aproximar a realidade brasileira aos postos de trabalho no âmbito da Justiça.

"É preciso aumentar mais rápido o número de magistradas que conseguem transpor o chamado teto de vidro, alcançar os níveis rumo ao topo da carreira e respirar o ar rarefeito das altas esferas do Poder Judiciário, que ainda são de ampla presença masculina, em descompasso com a maioria da população brasileira, que é de mulheres", reforçou Eunice Maria.

Os resultados apurados pintam um cenário complexo, permeado de dificuldades cotidianas muitas vezes despercebidas. Ao serem questionadas sobre situações específicas do dia a dia, 70,5% afirmaram já terem sido interrompidas por um homem enquanto falavam e 47,7% alegaram já terem tido a inteligência subestimada, como se fossem incapazes de entender. Piadas sexistas também fazem parte do ambiente de trabalho destas mulheres, com 54% afirmando terem presenciado atos do tipo, enquanto 46,7% das magistradas declararam já terem sido rotuladas como agressivas ao demonstrar assertividade e segurança.

"Neste sentido, o micromachismo pode ser visto como um comportamento individual de desvalorização das mulheres, isto é, um conjunto de dispositivos que se manifestam em atitudes, predominantemente, automatizadas na vida social", diz o relatório, que explicita a questão, ainda, de mais da metade das juízas, 55%, apresentarem a sensação de que precisavam trabalhar mais e melhor do que seus pares para serem reconhecidas.

O relatório observa, no entanto, que a equidade de gênero deve vir amparada por uma atenção a outras questões que ultrapassam os indivíduos. "A pesquisa demonstrou, portanto, que o quantitativo de juízas pardas, pretas, amarelas e indígenas no Poder Judiciário é ainda muito menor quando comparado ao número de magistradas autodeclaradas brancas", pontua o relatório. "Tal estado de coisas alerta para a chamada discriminação interseccional, que foi lembrada por respondentes em uma das questões abertas e permite verificar como os marcadores gênero e raça atuam em conjunto para restringir o acesso das mulheres pretas e pardas aos cargos da magistratura."

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