Jornal Correio Braziliense

Emigração

Influenciadores são usados como isca para enganar brasileiros que sonham viver em Portugal

Muitas pessoas cruzaram o Atlântico certas de que encontrariam o eldorado pela frente. Mas, tão logo desembarcaram, viram que a realidade era muito diferente do mundo glamouroso vendido por meio da internet

Investigações

A farra desses coiotes digitais está tão grande, que o governo português abriu uma série de investigações contra os influenciadores, não só brasileiros, pois os crimes estão disseminados. Estima-se que pelo menos 22 youtubers do Brasil estejam na lista dos suspeitos. Ao Correio, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) informou, por nota, que não é possível quantificar quantos processos estão em andamento. "Ainda que o SEF tenha sob investigação casos de auxílio à imigração ilegal e de associação de auxílio à imigração ilegal, em que os suspeitos recorrem à internet, nomeadamente às redes sociais, não nos é possível quantificar esses casos nem informar sobre a nacionalidade e o perfil profissional dos suspeitos."

Para o embaixador, é preciso que as autoridades brasileiras se engajem, urgentemente, no combate aos coiotes digitais, não apenas punindo aqueles que cometem crimes, mas, também, fazendo amplas campanhas para esclarecer os riscos da imigração. Esse movimento, acredita Carreiro, deveria ser encampado pelas empresas aéreas, com alertas frequentes para os viajantes. Apenas em janeiro, mais de mil brasileiros recorreram à Organização Internacional para as Migrações (OIM) pedindo ajuda para retornar ao Brasil. Estavam passando fome.

Indústria da fraude

O que se vê em Portugal é uma indústria para ludibriar imigrantes, acredita Elisângela Rocha, presidente do coletivo Diáspora sem Fronteiras. "Infelizmente, aqueles que caem nas garras dos coiotes digitais são enganados e acabam em situações muito difíceis", ressalta. Na opinião dela, os casos são muito maiores do que os divulgados, pois boa parte das pessoas fisgadas pelos golpes da internet não denunciam os crimes, por medo. "Acabamos de atender a um casal, com uma filha, que desembarcou em Portugal por meio de um youtuber. A promessa feita era de que marido e mulher teriam emprego e casa para morar. Orientamos aos dois que denunciassem o caso e fizessem o retorno voluntário para o Brasil, mas não quiseram", conta.

Elisângela diz que, com a inflação alta e a falta de moradias, a desilusão se tornou marca entre muitos brasileiros, mesmo aqueles que residem em Portugal há mais tempo. "São mais de 100 mil brasileiros à espera da documentação do governo português. Esses vivem precariamente, pois tornaram-se reféns do subemprego e de moradias insalubres."

Os indocumentados sequer podem receber auxílios financeiros do Estado português, afirma a presidente do Diáspora. No ano passado, por causa da carestia, o governo decidiu pagar 125 euros (R$ 700) às famílias mais vulneráveis. "Praticamente nenhum brasileiro irregular recebeu essa ajuda. É pouca, mas faz a diferença para quem está em situação complicada", frisa. Há imigrantes — muitos brasileiros — morando em cortiços. Num único imóvel, é possível encontrar até 50 pessoas. No que pegou fogo, na Mouraria, havia 22 estrangeiros.

Advogados dizem que as leis portuguesas de imigração são mais generosas que as de muitos países. Mas, em vez de se submeterem à burocracia, os estrangeiros preferem acreditar nas facilidades oferecidas por criminosos, porque ouviram falar de alguém que se deu bem. "Os golpes da imigração se multiplicaram nos últimos dois anos porque houve muita gente disposta a burlar as regras", diz um advogado que acompanha as investigações feitas pelo SEF. Isso, inclusive, incentiva a xenofobia, ressalta Elisângela, lembrando do caso de um cidadão nepalês que foi agredido em Olhão, no Algarve, em janeiro. O caso levou o presidente Marcelo Rebelo de Souza a pedir desculpas públicas a todos os imigrantes que moram em Portugal.

Novo visto

Um dos caminhos seguidos pelo governo português a fim de tentar conter a imigração ilegal, especialmente entre brasileiros e cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), foi a criação de um visto especial de trabalho. Os interessados em procurar emprego podem permanecer em território luso por até 180 dias. Mas há condicionantes: é preciso comprovar capacidade de se manter no país com uma reserva financeira equivalente a pelo menos três salários mínimos portugueses (2.280 euros ou R$ 16,2 mil).

Em defesa desse novo instrumento, a ministra-adjunta de Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, apontou a regularização dos imigrantes como forma de acabar com a exploração de mão de obra — são comuns denúncias em Portugal de casos análogos à escravidão. Contudo, desde que esse visto entrou em vigor, foram poucos os pedidos. Brasileiros e demais estrangeiros que podem se beneficiar dele continuam entrando como turista no país europeu, com limite de 90 dias de permanência (prorrogáveis por mais 90), pois sabem que, vencido esse prazo, têm a opção de recorrer à manifestação de interesse pela autorização de residência.

Pelos cálculos de José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, ao qual o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras está subordinado, o estoque desses pedidos em análise soma 200 mil — metade, de brasileiros. A esperança é que o governo brasileiro feche acordos com as autoridades portuguesas para que, ao menos, se acelere o processo de regularização dos mais de 100 mil cidadãos que esperam pela documentação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará em abril em Portugal para a reunião de cúpula entre os dois países. O embaixador do Brasil em Portugal confirma que o tema imigração estará no topo da pauta de discussões dos dois chefes de Estado. "Estamos esperançosos", ressalta ele.

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