O número de mortes por desnutrição de indígenas da etnia yanomami aumentou 331% nos quatro anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em comparação com os quatro anos anteriores.
O aumento está registrado em dados obtidos com exclusividade pela BBC News Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Entre 2019 e 2022, 177 indígenas do povo yanomami morreram por algum tipo de desnutrição, segundo dados do Ministério da Saúde.
Nos quatro anos anteriores, foram 41 mortes. O crescimento pode ser ainda maior, porque os dados referentes a 2022 ainda estão sendo contabilizados.
Nas últimas semanas, o governo federal decretou estado de emergência por conta do agravamento das condições de saúde dos yanomami.
A decisão foi tomada em meio à forte repercussão nacional e internacional gerada por imagens de indígenas da etnia visivelmente desnutridos.
Salto no primeiro ano de governo
Os dados liberados pelo Ministério da Saúde mostram a quantidade e as causas das mortes registradas nos Distrito Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), órgãos responsáveis pela saúde dos povos originários. As informações vão de 2013 a 2022.
Em 2013 e 2014, as mortes de yanomami por desnutrição totalizaram oito e seis, respectivamente.
Na somatória dos quatro anos seguintes (2015 a 2018), nos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), o total foi de 41. Nos quatro anos seguintes, já sob Bolsonaro, o número foi de 177.
Os dados indicam um salto no número de mortes por desnutrição entre os yanomami já no primeiro ano do governo Bolsonaro, 2019.
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Em 2018, foram sete mortes registradas por alguma forma de desnutrição. No ano seguinte, esse número aumentou para 36.
Em 2020, o número saiu de 36 para 40 e atingiu um pico em 2021, quando 60 indígenas yanomami morreram por algum tipo de desnutrição.
Em 2022, ano cujos dados ainda estão sendo totalizados, o número de mortes por desnutrição chegou a 40.
Ainda de acordo com os dados, em 2022, a desnutrição foi a segunda maior causa de mortes entre os yanomami, perdendo apenas para as pneumonias, que somaram 70 óbitos e que também estão ligadas a condições precárias de saúde.
Membros do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) classificaram a situação dos yanomami como um "genocídio" e acusaram a gestão anterior de não agir para evitar a crise humanitária.
Nas suas redes sociais, o ex-presidente Bolsonaro negou descaso em relação aos yanomami e se referiu ao caso como uma "farsa da esquerda".
No final de janeiro, o governo federal deu início a uma operação que envolve a transferência de indígenas em piores situações de saúde para hospitais de Boa Vista, capital de Roraima, Estado onde fica a maior parte da Terra Indígena Yanomami.
Além disso, o governo também deu início a uma operação para retirar aproximadamente 20 mil garimpeiros da área. A ação conta com tropas das Forças Armadas, Força Nacional de Segurança Pública, agentes do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Polícia Federal.
Desnutrição e garimpo
O aumento no número de mortes por desnutrição entre os yanomami vem sendo relacionado ao aumento da atividade garimpeira na terra onde eles vivem.
A Terra Indígena Yanomami tem 9,6 milhões de hectares e abriga pouco mais de 28 mil indígenas. A área é conhecida por suas grandes reservas de metais preciosos como ouro e outros minerais de interesse industrial como a cassiterita, matéria-prima do estanho.
Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o aumento no número de mortes por desnutrição entre os yanomami aconteceu ao mesmo tempo em que foi registrado um crescimento no desmatamento da terra indígena.
Entre 2019 e 2022, durante o governo Bolsonaro, foram desmatados 47 quilômetros quadrados de floresta na área.
A taxa é 222% maior do que a registrada nos quatro anos anteriores, quando o desmatamento foi de 14,6 quilômetros quadrados. Segundo pesquisadores, a principal fonte de desmatamento na Terra Indígena Yanomami é o garimpo ilegal.
Para Fernanda Simões, coordenadora de nutrição do Instituto Fernando Figueira (IFF), entidade vinculada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a desnutrição observada entre os yanomami tem relação direta com o avanço do garimpo.
"Os yanomami vivem, basicamente, da caça e da pesca. Os garimpos causam desmatamento e destroem os cursos d'água. Dessa forma, a caça fica mais escassa porque os animais fogem e os rios ficam poluídos, especialmente pelo uso do mercúrio durante o processo de extração de ouro", afirmou Simões.
"A desnutrição que a gente observa entre eles é pela escassez de alimento. Os indígenas precisam passar muito mais tempo na mata atrás da caça e ela não vem na mesma quantidade que vinha antes. Isso afeta toda a comunidade", explicou a nutricionista.
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Crianças e idosos entre os mais afetados
Os dados também mostram que os grupos mais afetados pelas mortes por desnutrição foram crianças e idosos.
Em 2022, por exemplo, das 41 mortes por desnutrição, 25 foram entre pessoas acima de 60 anos e 11 entre crianças de zero a nove anos de idade.
Fernanda Simões explica que esses dois grupos são os mais vulneráveis à escassez de alimentos.
"Crianças e idosos são mais afetados porque têm poucas condições de buscar os alimentos por si mesmos e porque, na maioria dos casos, eles já estão com seus corpos fragilizados", disse a especialista.
Fernanda Simões explicou que a desnutrição leva à morte porque a ausência de nutrientes faz com que o corpo humano use suas reservas de gordura e, depois, de músculo, para manter as funções básicas do organismo. À medida que nutrientes e sais minerais não chegam às células, o corpo humano começa a "falhar".
"A gente observa falhas renais, hepáticas e uma dificuldade grande do corpo dar respostas imunológicas a infecções. Isso acaba abrindo as portas para diversos tipos de agravamentos que levam ao óbito", disse a especialista.
Desmonte de políticas públicas
Para Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o aumento nas mortes por desnutrição no território yanomami reflete "um desmonte nas políticas indigenistas no governo Bolsonaro".
Tuxá afirma que, no último governo, os yanomami tiveram mais dificuldades para acessar serviços de saúde e viram as condições ambientais de seu território se deteriorarem por conta da presença dos garimpeiros.
"O governo tinha ciência das coisas que estavam acontecendo lá, não dar assistência e apoio ao povo yanomami foi uma decisão política", afirma.
Para ele, as ações do governo Bolsonaro frente à situação dos yanomami configuram "crime de genocídio".
A BBC tentou contato com Marcelo Xavier, que presidiu a Funai entre julho de 2019 e o fim do governo Bolsonaro, para ouvi-lo sobre o aumento nas mortes por desnutrição e as críticas à sua gestão na fundação.
Xavier não respondeu a duas tentativas de contato pelo Twitter.
Em 29 de janeiro, Bolsonaro usou o Twitter para se defender de críticas às suas políticas para os indígenas.
Ele escreveu que "nunca um governo dispensou tanta atenção e meios aos indígenas" como no dele.
No mesmo tuíte, o ex-presidente sugeriu que a desnutrição entre indígenas é um problema antigo ao publicar a foto de uma criança desnutrida que constou do relatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou o tema em 2008.
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