terras indígenas

Justiça nega pedido da ANM e venda de minério ilegal vai para indígenas

Desembargador confirmou decisão de 2022 de que minérios e equipamentos apreendidos de atividade ilegal em terras indígenas sejam leiloados e aplicados em comunidades ianomâmis

Aline Brito
Aline Gouveia
postado em 16/02/2023 22:28 / atualizado em 16/02/2023 23:07
Garimpo ilegal no Rio Mucajaí, na Terra Yanomami: invasão de áreas indígenas foi facilitada por desmonte de estruturas de fiscalização -  (crédito: Hutukara/Isa/Divulgação)
Garimpo ilegal no Rio Mucajaí, na Terra Yanomami: invasão de áreas indígenas foi facilitada por desmonte de estruturas de fiscalização - (crédito: Hutukara/Isa/Divulgação)

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) negou, nesta quinta-feira (16/2), recurso da Agência Nacional de Mineração (ANM) para que o valor adquirido por meio do leilão de bens e equipamentos, extraídos e usados ilegalmente em terras indígenas, fosse incorporado à receita do órgão. Na decisão, o desembargador Souza Prudente conclui que o montante, estimado em R$ 25 milhões, deve ser aplicado em comunidades indígenas. 

Souza Prudente confirmou uma decisão de julho de 2022, da 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Roraima, de que os bens e equipamentos apreendidos da prática de garimpo ilegal em terras indígenas, entre 2021 e 2022, sejam leiloados e o valor revertido às Terras Indígenas Yanomamis. Essas determinações fazem parte de uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF), sobre a devida e adequada destinação dessa apreensão. 

De acordo com o desembargador, que assina a decisão, a ANM deve realizar, no prazo de até 30 dias, o leilão desses bens e equipamentos apreendidos, mas não deve incorporar a quantia obtida em seu patrimônio. Todo o valor arrecadado deve ser destinado aos povos indígenas afetados pelo garimpo ilegal e, sobretudo, ao combate à desnutrição dos povos ianomâmis. Em caso de descumprimento da decisão judicial, o desembargador fixou uma multa de R$ 5 para cada R$ 1 do valor total dos bens apreendidos que a Agência anexar à sua receita.

Na decisão, a Fundação Nacional do Índio (Funai) ficou responsável, dentro prazo de 90 dias, por apresentar um plano para a aplicação dos recursos obtidos, com foco na "realização de ações, programas, aquisição, manutenção ou operação de equipamentos necessários para efetivação da desintrusão da Terra Indígena Yanomami, para a proteção do respectivo território após a retirada dos invasores ilegais".

Para Prudente, assim como para o MPF, é contraditório que a União, ente responsável pela proteção das terras indígenas, seja beneficiada pela atividade ilegal do garimpo. “A União não pode ser remunerada por descumprir a Constituição, as ordens do STF, do TRF-1ª, da JF/RR e da CIDH. É anormal a interpretação que reconhece ao ente federal obter lucro da própria inadimplência”, escreveu o desembargador na decisão.

Valor milionário e dificuldade de armazenamento

De acordo com a decisão, no período de um ano e quatro meses, entre janeiro de 2021 a maio de 2022, foram apreendidos mais de 200kg do minério chamado cassiterita, um produtos extraídos por operações de garimpo ilegal no Brasil, com registro de exportação ilegal de mais de 700 toneladas, no estado de Roraima, entre os anos em questão. Além disso, outras substâncias minerais também foram apreendidas.

A cassiterita é a matéria-prima do estanho, metal extraído desse minério, utilizado para produzir ligas como as folhas de flandres, usadas em latas de alimentos, em acabamento de carros, na fabricação de vidros e em tela dos celulares, por exemplo. A Secretaria de Finanças do Estado de Rondônia avalia o quilograma da cassiterita em R$ 120,23, ou seja, os 200,9kg apreendidos, fruto de extração ilegal, equivalem a cerca de R$ 25 milhões.

“O quantitativo de minério apreendido é tão expressivo que as entidades públicas têm enfrentado dificuldades para armazená-lo em seus pátios, sujeitando-os ao risco de furto e degradação ambiental”, ressaltou o desembargador Souza Prudente, na decisão expedida nesta quinta-feira (16/2).

Segundo constatou Prudente, o volume desse minério é tão grande que uma parede de um galpão utilizado pela Superintendência Regional de Polícia Federal em Roraima, que está armazenado a cassiterita, cedeu, “enquanto outras porções encontram-se a céu aberto”.

Entenda o andamento do processo

O MPF entrou, em 2022, com uma ação contra a União Federal, a Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). No processo, o órgão pediu que a ANM e a União fossem impedidas de reverter o valor do produto de mineração ilegal como receita própria, uma vez que esses minerais apreendidos são originados de exploração ilegal e criminosa, que prejudicam povos e terras indígenas.

Em julho de 2022, a 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Roraima decidiu que a ANM deveria realizar um leilão e todo o valor arrecadado ser utilizado em terras indígenas afetadas. Além disso, a Agência deveria promover a expulsão do garimpo ilegal dessas comunidades.

Após essa determinação, a ANM entrou com recurso contra a decisão judicial de aplicar a verba do leilão em território indígena. O órgão argumentou que o produto advindo dos bens apreendidos do garimpo ilegal constitui receita da Agência e que a determinação “viola a separação dos poderes, uma vez que o Ministério Público “pretende que o Poder Judiciário faça as vezes de Administração Pública para o fim de escolher, ao arrepio da lei, qual deve ser a destinação dada aos bens ou ao produto da venda dos bens apreendidos no exercício da atividade de mineração ilegal”.

“Não cabe ao Poder Judiciário adentrar o mérito do ato administrativo para analisar, diante das possibilidades que a lei prevê, qual a destinação deve ser dada ao produtos dos bens utilizados na atividade ilegal de mineração. Ao contrário, tal competência é privativa da agência reguladora”, defendeu a ANM.

Em contrapartida, o MPF esclareceu que não pretende retirar receita da União, “tampouco transferi-la para comunidades indígenas, haja vista que os pedidos são no sentido de que a execução das despesas seja realizada pela União e pela FUNAI, conforme plano aplicação a ser elaborado pelos próprios requeridos [ANM, União e Funai]”.

Nesta quinta-feira (16/2), a justiça decidiu negar o pedido da ANM e reafirmou a determinação inicial de que o valor do leilão deve ser usado em favor dos indígenas. De acordo com o desembargador Souza Prudente, a Agência ainda pode entrar com outro recurso para tentar reverter essa decisão, mas é difícil que a Justiça seja favorável a ela. “Não creio que essa decisão hoje possa ser contaminada pela ANM e União. Nesse momento atual, a União não se anima em cassar uma decisão dessa, porque esse governo criou um ministério específico, o Ministério dos Povos Indígenas e o dos Povos Originários. Então não se tem interesse em cassar uma decisão que visa proteger os interesses dos povos indígenas”, disse o magistrado ao Correio.

Antes mesmo da decisão desta quinta-feira, a Justiça Federal já havia obrigado, em janeiro deste ano, a Agência de Mineração a realizar, definitivamente, o leilão da cassiterita extraída ilegalmente da Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, e determinou que todo o processo seja finalizado até 28 de fevereiro.

Agora, com a nova decisão, o órgão tem até 16 de março para publicar edital “de leilão de bens e equipamentos encontrados ou apreendidos e associados à atividade de mineração ilegal comprovada ou presumivelmente praticada em terras indígenas de Roraima”.

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